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"Somos o oceano": painel histórico sobre pesca artesanal marca a UNOC3 com esperança e urgência

  • comunicacao5558
  • 2 de jul.
  • 5 min de leitura

Atualizado: há 7 dias

Evento paralelo coorganizado pelo Instituto Linha D'Água reuniu pescadores e pescadoras de todo o mundo em uma convocação global por direitos, territórios e reconhecimento.



Painel "Pesca artesanal de pequena escala: no centro da governança oceânica e segurança alimentar"

O 4º dia da Conferência da ONU sobre os Oceanos (UNOC3), realizada entre os dias 9 e 13 de junho em Nice, na França, foi marcado por um dos momentos mais simbólicos e emocionantes de toda a programação: o painel "Pesca artesanal de pequena escala: no centro da governança oceânica e segurança alimentar". Coorganizado pelo Instituto Linha D'Água, junto a diversas organizações internacionais, o evento reuniu, no dia 12 de junho, lideranças de comunidades pesqueiras de diferentes regiões do mundo para reafirmar que não há futuro para os oceanos sem justiça social e participação ativa dos povos do mar.


A UNOC3 reuniu mais de 15.000 participantes, incluindo mais de 60 chefes de Estado, em 450 eventos paralelos e 100.000 visitantes. O encontro consolidou o chamado "Plano de Ação para o Oceano de Nice", com mais de 800 compromissos voluntários para ampliar a proteção marinha, combater a poluição, regular os altos mares e destravar financiamentos para nações costeiras vulneráveis.


Nesse mar de iniciativas, o painel da pesca artesanal emergiu como um grito coletivo de reconhecimento, pertencimento e resistência. O grupo de pescadores e pescadoras de pequena escala exigiu dos Estados o reconhecimento da importância de fortalecer uma abordagem baseada em direitos humanos na conservação.


Assista aos destaques do Painel realizado na UNOC3:


"Não sou esposa de pescador. Sou pescadora. Vivo no oceano. Sou o oceano", declarou com força Zoila Bustamante, Presidenta da Confederação Nacional dos Pescadores Artesanais do Chile (CONAPACH) e da União Latino-Americana de Pescadores Artesanais (ULAPA). A declaração, que foi recebida com aplausos de pé, simbolizou o espírito do encontro: pescadores e pescadoras exigindo voz, território e respeito em um sistema que historicamente os marginalizou. "Viemos aqui para ficar. E viemos aqui para dizer: quem melhor do que nós para dizer o que o mar precisa?", destacou Zoila.


Raïssa Madou, da Costa do Marfim e membro da Confederação das Organizações Profissionais da Pesca Artesanal Marinha e Continental da África (CAOPA), relatou com firmeza os impactos da industrialização sobre as comunidades pesqueiras africanas: "Estamos sendo empurrados para fora das praias por frotas industriais, plataformas de petróleo e empreendimentos turísticos. Quando nossos espaços são destruídos, não perdemos apenas a pesca. As mulheres perdem sua renda, os filhos abandonam a escola, e nossas culturas desaparecem. Somos economistas, ambientalistas, educadoras. Mas seguimos invisíveis nas decisões".


Da Indonésia, o pescador Syahril Paranginangin, da União dos Pescadores Tradicionais da Indonésia (KNTI), denunciou o avanço da aquicultura industrial como uma nova forma de exclusão. "Esses empreendimentos não foram feitos para empoderar os pescadores locais. Eles ocupam manguezais, privatizam territórios e restringem nosso acesso ao mar. Isso destrói a vida, os ecossistemas e as relações sociais das comunidades costeiras. Desenvolvimento sem justiça é apenas mais uma forma de dispossessão".


O painel serviu como palco para o fortalecimento da Declaração Política da Pesca Artesanal de Pequena Escala, que reafirma cinco pilares essenciais para a governança marinha justa e participativa: 


(1) acesso preferencial e cogestão de 100% das áreas costeiras;

(2) valorização das mulheres como agentes de inovação;

(3) proteção contra a competição predatória da economia azul;

(4) transparência e prestação de contas na gestão pesqueira; e

(5) construção de comunidades costeiras resilientes, com oportunidades para jovens e fortalecimento da autonomia local.


Felicito Nuñez, pescador Garífuna de Honduras, reafirmou a centralidade do Apelo à Ação da Pesca Artesanal, lançado em Lisboa em 2022 e fortalecido agora em Nice: "Esse documento é o nosso norte. Temos propostas concretas. Mas estamos sendo expulsos de territórios onde vivemos há mais de 200 anos. Temos identidade, temos história, temos direito. Somos legais. O que está sendo feito contra nós é que é ilegal".


Na mesma linha, Dawda F. Saine, da Gâmbia e Secretário-Geral da CAOPA, sintetizou a relação vital entre o pescador artesanal e o oceano: "O mar é o nosso escritório. É onde vivemos, onde nos alimentamos e onde educamos nossos filhos. Se não há peixe, não há salário. Sem nós, não há segurança alimentar. Então como pode haver governança sem nossa participação?"


Gaoussou Gueye, presidente da CAOPA e da Plataforma Panafricana de Atores Não Estatais na Pesca e Aquicultura (AFRIFISH-Net), completou com um apelo direto aos tomadores de decisão: "Não se pode alimentar o mundo ignorando os pescadores artesanais. Sempre nos disseram que somos pobres. Mas como alimentar o planeta com riqueza concentrada e territórios expropriados? O que pedimos é simples: respeito, diálogo e participação. Não pode haver sustentabilidade sem equidade”.


Representando a Europa, Gwenael Pennarum, presidente da plataforma dos Pescadores de Baixo Impacto da Europa (LIFE), destacou que a sustentabilidade está no cerne da pesca artesanal: "Somos pescadores de baixo impacto. Estabelecemos nossos próprios períodos de repouso biológico, cuidamos do mar com o que temos, e geramos empregos em terra. Essa é a verdadeira economia azul. Mas estamos sendo empurrados para fora por projetos que vendem lucro, não vida".


A comunidade científica também marcou presença. Laura Pereira, professora da Universidade de Witwatersrand, da África do Sul, fez um alerta contundente sobre a forma como a pesquisa tem tratado as comunidades: "Por muito tempo, a ciência extraiu dados e entregou promessas vazias. Mas não se constrói justiça assim. Precisamos de alianças reais, com ética, responsabilidade e compromisso de longo prazo".


Rashid Sumaila, economista da Universidade da Colúmbia Britânica, propôs uma nova forma de pensar valor: "Vendemos ao mundo que diamantes são eternos. Mas eles são finitos. O peixe, se bem manejado, é para sempre. Um recurso renovável que pode alimentar gerações.

Precisamos investir na abundância, e isso começa por proteger os pescadores artesanais".


Seu colega William Cheung, também da Universidade da Colúmbia Britânica, reforçou o papel da pesca artesanal na adaptação climática: "As espécies estão mudando de localização. Os pescadores percebem antes dos cientistas. Eles têm conhecimento, resiliência, estratégia. Mas para que isso se transforme em política, precisam estar na mesa de decisão".


Representando os governos, Mahatante Paubert, ministro da Pesca e da Economia Azul de Madagascar, assumiu um compromisso: "Nunca haverá economia azul justa e sustentável se deixarmos os pescadores artesanais de fora. Convido todos os países a implementarem a Declaração de Kampala. Madagascar está pronto para liderar com eles, e não sobre eles".


Andreas Schaumayer, do Ministério Federal Alemão para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (BMZ), completou: "Precisamos garantir que as regras internacionais cheguem às comunidades mais vulneráveis. O desenvolvimento só será legítimo se houver escuta, transparência e justiça distributiva. E isso começa agora".


Para Jesús Chaves Vidaurre, pescador artesanal de pequena escala da comunidade de Barra del Colorado, no Caribe Norte da Costa Rica, e co-coordenador da Rede de Áreas Marinhas de Pesca Responsável e Territórios Marinhos de Vida, o encontro foi mais do que um evento: "Mostrou que não estamos mais esperando convites. Estamos construindo alianças, propondo caminhos, unindo forças. O Apelo à Ação não é só um documento. É um projeto de futuro". 


Coorganizado pelo Instituto Linha D'Água, ao lado de organizações internacionais como CoopeSoliDar R.L., CAOPA, CFFA e ICSF, o evento foi um dos grandes destaques da UNOC3. Ao final, o sentimento era claro: o painel foi uma celebração da vida, da resistência e da potência da pesca artesanal. Mas também foi um aviso: "somos o oceano", disseram muitos. E a pergunta que ficou ecoando em Nice foi: o mundo está pronto para ouvi-los? Agora é hora de transformar o discurso em ação. Salvar o oceano pela tradição, pela cultura, pelo alimento e pela vida.


Confira fotos do Painel:




Confira resumos diários dos principais debates realizados na UNOC3: 1º Dia | 2º Dia | 3º Dia | 4º Dia | 5º Dia



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