top of page

Último trimestre de 2025: Linha D’Água fortalece a agenda dos povos do mar da incidência local à COP30

  • comunicacao5558
  • há 7 dias
  • 16 min de leitura

Um balanço das ações, articulações e incidências do Instituto Linha D’Água entre outubro e dezembro, período marcado pela COP30 e pelo fortalecimento da agenda oceano-clima com justiça territorial.


Boletim de Dezembro de 2025

Os últimos meses de 2025 concentraram algumas das agendas mais estratégicas do Instituto Linha D’Água. Entre outubro e dezembro, atuamos de forma intensa na articulação entre territórios tradicionais, movimentos sociais, ciência e políticas públicas, com destaque para a presença qualificada na COP30, em Belém. Foi um trimestre marcado por incidência política, mobilização social e produção de narrativas que reafirmaram a centralidade da pesca artesanal, dos maretórios e dos direitos dos povos do mar nas soluções para a crise climática.


Ao longo desse período, o Linha D’Água esteve envolvido em dezenas de eventos, debates e articulações, organizando agendas próprias, apoiando mobilizações e qualificando espaços institucionais e autogestionados. Da entrega da Carta dos Povos do Mar e das Águas à atuação da Coalizão COPMar, das discussões sobre sistemas alimentares da pesca artesanal à incidência na imprensa, este balanço reúne os principais marcos do último trimestre de 2025 e aponta os caminhos que seguimos fortalecendo para 2026.



Sem os povos do mar não há solução climática: o ano em que essa mensagem ecoou


Sem os povos do mar não há solução climática: o ano em que essa mensagem ecoouSem os povos do mar não há solução climática: o ano em que essa mensagem ecoou


O ano de 2025 foi, sem dúvidas, um dos mais intensos e marcantes da história do Instituto Linha D'Água. Estivemos em movimento constante, atuando com firmeza e sensibilidade em cenários nacionais e internacionais - de Sri Lanka à UNOC3 em Nice, até culminar com uma atuação ampla e estratégica na COP30 em Belém, onde reforçamos a centralidade da pesca artesanal e dos territórios costeiros e marinhos nas soluções para a crise climática.


Durante a conferência, estivemos em todos os cantos de Belém - das plenárias da Zona Azul às marchas nas ruas, dos painéis na Zona Verde às rodas de conversa nos espaços autogestionados - ao lado dos povos do mar, apoiando suas demandas e levando com afinco nossa missão: ecoar suas vozes nos espaços de decisão política e garantir que os maretórios sejam reconhecidos como soluções vivas e essenciais.


Estivemos diretamente envolvidos em 43 eventos oficiais e paralelos, circulando por 12 arenas da conferência e atuando como organizadores, articuladores e participantes qualificados em agendas de justiça climática, governança do mar, territórios tradicionais e pesca artesanal, entre outras pautas estratégicas. Essa atuação foi construída com o apoio de uma rede de cerca de 19 organizações parceiras mobilizadas ao longo da programação. Confira os principais números da atuação do Linha D’Água no nosso blog.


Nesse esforço coletivo, assinamos a Carta Aberta dos Povos do Mar e das Águas à Sociedade Brasileira e à COP30 e apoiamos sua entrega a diversos agentes estratégicos ao longo da conferência, fortalecendo a incidência por participação efetiva, justiça territorial e pelo reconhecimento dos maretórios como base legítima para qualquer política pública do mar.


Organizamos também o evento "Sistema Alimentar da Pesca Artesanal", marcamos presença na Marcha Global pelo Clima - a Marcha dos Povos - com força e visibilidade, e participamos de painéis com parlamentares, pesquisadores e movimentos sociais para pautar políticas públicas com justiça social, territorial e oceânica.


Realizamos uma ampla cobertura diária nas redes sociais, com dezenas de stories, posts e carrosséis sobre os temas que mais importam para quem vive do mar. Em nosso blog, publicamos resumos diários com os principais acontecimentos da conferência e seus desdobramentos e fizemos um balanço completo em nosso Instagram sobre o que o que avançou, o que ficou pelo caminho e o que os Povos do Mar ainda cobram. 


Encerramos nossa atuação com a publicação de um artigo contundente no portal ((o)eco): "Os povos do mar fizeram sua parte. O governo deixou a canoa virar", denunciando a ausência de respostas concretas às demandas históricas dos povos das águas, como a assinatura do Marco Legal dos Territórios Tradicionais, a criação das novas Resex costeiras e marinhas e o apoio ao PL 131/2020.


A COP30 foi anunciada como a "COP da Implementação", mas terminou com promessas parciais, alguns avanços e frustrações. Apesar de conquistas importantes nos debates sobre adaptação e reconhecimento de territórios, a conferência falhou em entregar ações efetivas para abandonar os combustíveis fósseis e combater o desmatamento - as duas maiores lacunas da cúpula. E, principalmente, falhou em reconhecer plenamente os direitos dos povos do mar, que seguem invisibilizados mesmo quando estão na linha de frente da conservação.


Ainda assim, voltamos de Belém com a convicção de que estamos no caminho certo. Em cada painel, marcha, fala e publicação, reafirmamos que não há justiça climática sem justiça territorial. E que conservar o oceano é também garantir o direito de existir dos povos que o protegem. O ano de 2025 deixou uma mensagem clara: quando os territórios são garantidos e quem vive do mar participa ativamente, a gente constrói, de fato, soluções climáticas justas - e abre caminho para um futuro sustentável.


Seguiremos em 2026 com o mesmo compromisso e ainda mais fôlego, levando as vozes dos povos do mar para onde for necessário: das águas ao Congresso, das praias ao debate internacional. Porque a maré só vira com coragem, rede e constância. E é com vocês que seguimos navegando.



Carta dos Povos do Mar e das Águas ecoa na COP30 e exige justiça territorial e protagonismo popular


Carta dos Povos do Mar e das Águas ecoa na COP30 e exige justiça territorial e protagonismo popular

Durante a COP30, em Belém, 168 organizações lançaram a Carta Aberta dos Povos do Mar e das Águas à Sociedade Brasileira e à COP30, exigindo participação efetiva, justiça territorial e o fim das falsas soluções climáticas apresentadas sob o rótulo de "governança oceânica". A carta denuncia a exclusão sistemática de pescadoras e pescadores artesanais dos processos de decisão sobre o oceano, como no caso do Planejamento Espacial Marinho (PEM), apresentado pelo governo como modelo de participação, mas implementado sem diálogo real com as comunidades tradicionais.


O documento reafirma que os maretórios - territórios tradicionais pesqueiros - precisam ser reconhecidos como base legítima para qualquer política pública relacionada ao mar. As organizações signatárias denunciam que os processos ditos "participativos" do PEM não garantem a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), violando marcos legais como a Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT e a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.


A carta também alerta para o uso distorcido de conceitos como "transição energética justa" e "economia azul", que vêm sendo cooptados para legitimar projetos de exploração de petróleo, gás e energia eólica offshore sobre territórios pesqueiros - sem consulta e sem reparação. Tais iniciativas, segundo os povos do mar, ocultam interesses econômicos sob uma "fachada azul" de sustentabilidade e ignoram as violações de direitos socioambientais que seguem ocorrendo nas comunidades costeiras e ribeirinhas.


Com uma linguagem firme e propositiva, o texto reforçou que governo brasileiro deveria apresentar na COP30 não o PEM como solução climática, mas sim o reconhecimento e a regularização dos territórios pesqueiros como passo fundamental para a conservação da sociobiodiversidade. Parlamentares e autoridades presentes em Belém receberam a carta em mãos das mãos de representantes dos povos das águas, que seguem mobilizados em defesa do lema: "Nenhum plano para o mar sem os povos do mar".


A mobilização expressa na carta se conecta a uma trajetória histórica de resistência e construção coletiva de alternativas baseadas em direitos. Muitas das organizações que assinam o documento - como MPP, CPP, CONFREM, PainelMar - vêm atuando há anos no fortalecimento da pesca artesanal, na defesa dos territórios e na formulação de propostas para políticas oceânicas com justiça social. A Carta não apenas denuncia; ela também convoca: por um futuro onde as vozes que sustentam o mar sejam ouvidas, respeitadas e colocadas no centro das decisões.



Coalizão COPMar fortalece a voz do oceano e dos povos do mar na COP30


Coalizão COPMar fortalece a voz do oceano e dos povos do mar na COP30

Com atuação estratégica antes e durante a COP30, a Coalizão COPMar - liderada pela Rede PainelMar e integrada por diversas organizações da sociedade civil - se consolidou como uma das principais forças de articulação pela agenda oceano-clima. Às vésperas da Conferência, a Coalizão entregou uma carta à secretária-executiva da COP30, Ana Toni, exigindo o protagonismo dos povos do mar e dos ecossistemas marinhos nas negociações. O documento, assinado por 11 organizações, destacou a urgência de reconhecer pescadores artesanais, marisqueiras, quilombolas, indígenas e comunidades costeiras como titulares de direitos (right holders), e de integrar justiça socioambiental à transição energética.


Durante a COP30, a Coalizão COPMar promoveu encontros de alto impacto político e social. Um dos destaques foi o evento “O papel das legisladoras e legisladores no aumento da ambição climática com soluções baseadas no oceano”, realizado na Casa Vozes do Oceano (17/11). O encontro reuniu parlamentares da América Latina, sociedade civil e representantes do MPP e da CONFREM. Além de fortalecer a Coalizão Interparlamentar pelos Oceanos, o evento entregou ao deputado Túlio Gadêlha duas cartas - a Carta dos Povos do Mar e das Águas e outra do Sustainable Ocean Alliance Brasil, com o manifesto da juventude pelo oceano e clima.


No dia seguinte (18/11), o diálogo “Entre Folhas e Marés” integrou a programação da Casa Balaio, articulando agendas de conservação entre florestas e oceanos. O encontro reforçou a necessidade de uma governança climática integrada, que valorize os conhecimentos de quem vive e protege os ecossistemas. Comunidades tradicionais e cientistas se reuniram para construir uma visão comum de políticas públicas que conectem os biomas e coloquem os direitos dos povos da floresta e do mar no centro da ação climática.


Ainda no dia 18, o COPMar realizou o evento “Governança, Políticas Públicas e o Futuro dos Oceanos”, novamente na Casa Vozes do Oceano, reunindo gestores públicos, pesquisadores e lideranças tradicionais. Em debate, a necessidade de articulação entre instrumentos como a Lei do Mar, o Acordo BBNJ, o projeto de lei 4789/2024 e a meta global 30x30. A mensagem foi clara: não há conservação efetiva sem governança participativa e justiça ambiental.


A atuação da Coalizão COPMar - de Nice a Belém - foi fundamental para articular agendas, pautar compromissos políticos e gerar sinergias entre movimentos sociais, academia, gestores e parlamentares. Mais do que eventos pontuais, a Coalizão funcionou como um nó articulador entre iniciativas, ampliando o alcance das vozes que historicamente cuidam dos mares.



Do global ao local: presença do Linha D’Água em agendas decisivas para o oceano


Do global ao local: presença do Linha D’Água em agendas decisivas para o oceano

No último trimestre de 2025, o Instituto Linha D'Água ampliou sua presença na imprensa nacional e internacional, reforçando o compromisso de levar as vozes dos povos do mar e das águas para o centro do debate público. Em meio à intensa agenda da COP30, nossa equipe atuou lado a lado com comunicadores, jornalistas e veículos especializados para pautar os principais desafios e propostas das comunidades tradicionais da pesca artesanal, destacando a importância dos territórios costeiros e da justiça climática com base em direitos.


Um dos destaques desse período foi a participação de Henrique Callori Kefalás, coordenador executivo do Instituto, como coautor do artigo "Os povos do mar fizeram sua parte. O governo deixou a canoa virar", publicado no portal ((o)eco). O texto - assinado também por Josana Pinto (MPP), Carlos Alberto Pinto dos Santos (CONFREM) e Andrea Rocha do Espírito Santo (CPP) - fez um balanço crítico da COP30 e denunciou a ausência de respostas do governo brasileiro às demandas históricas dos povos das águas. O artigo cobrou, com clareza e contundência, a assinatura do Marco Legal dos Territórios Tradicionais, a criação das novas Resex costeiras e marinhas, e o apoio efetivo ao PL 131/2020, que reconhece os territórios pesqueiros tradicionais.


Também estivemos presentes na matéria especial da Sumaúma - Jornalismo do Centro do Mundo, que analisou a "batalha pelo oceano" na COP30, contextualizando os embates entre o modelo de conservação baseado em direitos e a chamada "economia azul", muitas vezes cooptada por interesses corporativos. A reportagem trouxe à tona o embate político e narrativo que marcou a conferência, reforçando os alertas dos povos do mar sobre os impactos da expansão de eólicas offshore, portos e projetos extrativistas em territórios tradicionais.


Na Agência Pública, o Linha D'Água também foi fonte na análise crítica sobre a decisão do Congresso Nacional de derrubar 52 vetos presidenciais sobre licenciamento ambiental, apenas uma semana após o encerramento da COP30. A matéria evidenciou as contradições entre o discurso oficial de justiça climática e as ações políticas que fragilizam direitos socioambientais. A atuação em matérias como essa reforça nosso papel de vigilância e incidência, contribuindo para desnaturalizar retrocessos e defender os territórios como pilares das soluções climáticas.


Em um cenário de disputas narrativas e apagamentos históricos, manter uma presença ativa junto à imprensa é estratégico para garantir visibilidade, denunciar injustiças e fortalecer as propostas dos povos que vivem do mar. Seguiremos atentos, colaborando com jornalistas comprometidos com os direitos humanos, a democracia e o futuro do oceano. Porque quem cuida do mar precisa ser ouvido - na política, na imprensa e em todos os espaços de decisão.



Peixe na mesa e direitos garantidos: Linha D'Água leva o Sistema Alimentar da Pesca Artesanal ao centro do debate climático


Peixe na mesa e direitos garantidos: Linha D'Água leva o Sistema Alimentar da Pesca Artesanal ao centro do debate climático

Na tarde do dia 19 de novembro, durante a COP30, o Instituto Linha D'Água realizou o evento "Sistema Alimentar da Pesca Artesanal: soluções da Amazônia e da Mata Atlântica para um oceano em equilíbrio", na Cas'Amazônia, em Belém. O encontro reuniu cooperativas, lideranças pesqueiras, pesquisadoras, instituições governamentais e representantes da sociedade civil para debater os desafios e as soluções que conectam alimentação, conservação marinha e justiça climática. A roda de conversa reforçou uma mensagem central: com peixe da Pesca Artesanal na mesa e direitos assegurados para quem vive do mar, a transição pode ser realmente justa.


Henrique Kefalás, coordenador executivo do Linha D'Água, abriu o evento destacando a invisibilidade da pesca artesanal nas agendas climática, alimentar e de políticas públicas. O debate abordou desde os gargalos do PAA e do PNAE até os entraves sanitários e logísticos enfrentados pelas comunidades tradicionais. Participaram nomes como Nátali Piccolo (CI-Brasil), Tatiana Rehder (ICMBio), Sandra Regina (CONFREM), José Mário Fortes (Cooperpesca), Carlinhos (CONFREM) e Sarah de Oliveira (Lex Experts), mostrando que a pesca artesanal é, sim, estratégica para segurança alimentar e adaptação climática - mas precisa ser reconhecida e apoiada.


Com experiências vindas da Amazônia, do sul da Bahia, de São Paulo e do litoral fluminense, os participantes denunciaram a ausência de políticas estruturantes que valorizem o "rural aquático". Ao mesmo tempo, compartilharam casos inspiradores de inclusão produtiva, como restaurantes comunitários liderados por mulheres, cooperativas com estrutura própria de beneficiamento e articulações com programas de alimentação escolar. O evento também abordou a urgência de revisar os modelos de inspeção sanitária que hoje excluem o pescado artesanal dos mercados públicos.


O debate reforçou que fortalecer a cadeia da pesca artesanal é fortalecer territórios inteiros, culturas tradicionais e soluções locais baseadas na natureza. Como resumiu Carlinhos (CONFREM): "A miséria nas reservas não é de produção, é de política pública. O Estado tem um débito com quem alimenta o Brasil". A mensagem da Cas'Amazônia foi clara: é hora de transformar o que hoje é rodapé das políticas em eixo central da agenda climática, alimentar e de desenvolvimento.


Quando o mar chega à alimentação escolar: integrar a pesca artesanal ao PNAE como estratégia de saúde, justiça territorial e nutrição infantil

O Instituto Linha D'Água também sistematizou parte desse debate no artigo "Quando o mar chega à alimentação escolar: integrar a pesca artesanal ao PNAE como estratégia de saúde, justiça territorial e nutrição infantil", publicado em outubro de 2025.


O texto mostra como o pescado artesanal, quando inserido no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), pode ser vetor de equidade, nutrição e valorização de comunidades costeiras. O artigo analisa experiências bem-sucedidas em cidades como Remanso (BA), Florianópolis (SC) e Pontal do Paraná (PR), e aponta caminhos concretos para romper as barreiras que ainda separam o peixe das escolas.


Com base em dados atualizados, marcos legais recentes e entrevistas com lideranças comunitárias, o texto se soma à incidência do Linha D'Água por políticas públicas que conectem o mar ao prato - com rastreabilidade, justiça e pertencimento cultural. Confira o artigo neste link e assista ao resumo do evento no Canal do Youtube do Linha D’Água.


Dez anos após Mariana, pesca artesanal vive o colapso invisível da contaminação no Rio Doce


Dez anos após Mariana, pesca artesanal vive o colapso invisível da contaminação no Rio Doce

No dia 3 de outubro, participamos da oficina “Justiça e Sociobiodiversidade no Rio Doce”, promovida pelo Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), reunindo lideranças comunitárias, pesquisadores e organizações da sociedade civil para refletir sobre os impactos da tragédia de Mariana quase uma década depois do rompimento da barragem de Fundão. O desastre, considerado o maior da história ambiental do Brasil, afetou diretamente 41 municípios e comprometeu os modos de vida de povos indígenas, comunidades quilombolas e pescadores artesanais ao longo do Rio Doce e do litoral norte capixaba.


A pesca artesanal foi uma das atividades mais atingidas - e continua invisibilizada nas políticas de reparação. “Perdemos toda a nossa atividade de pesca, nosso sustento, nossa renda e nossa saúde”, relatou Kelly de Sena Monteiro, presidente da Associação de Pescadores, Catadores de Caranguejo, Aquicultores, Moradores e Assemelhados de Campo Grande, no município de São Mateus, Espírito Santo, durante a oficina. A contaminação de manguezais e águas costeiras devastou não apenas a biodiversidade local, mas também os vínculos culturais e econômicos com o território. Adeci de Sena, vice-presidente da associação, reforçou: “O que nós preservávamos está destruído, e não temos como preservar mais”.


Segundo reportagem recente da Mongabay Brasil, o consumo de peixe na comunidade quilombola de Degredo, em Linhares (ES), praticamente desapareceu. Antes da lama, 47% das famílias consumiam pescado semanalmente. Hoje, esse hábito é quase inexistente. Pedro Costa, mestre cultural local, lamenta o rompimento da tradição: “A coisa mais triste que já aconteceu na nossa vida”. Para ele, pescar a mais de 25 metros de profundidade, exigência atual após a proibição judicial, é inviável com os equipamentos disponíveis: “Você sai 3 km mar adentro, e se o motor quebra, você tá no mar aberto”.


O impacto não é apenas ecológico ou econômico: é cultural e intergeracional. A proibição da pesca dificultou a transmissão de saberes entre gerações, e os auxílios oferecidos aos pescadores, como o AFE (Auxílio Financeiro Emergencial), são insuficientes para cobrir a perda de renda e dignidade. Marcilene Penha de Jesus, liderança local, descreveu o conflito entre o medo e a cultura: “Trabalhando na área, ouvindo as pessoas, a gente vai entendendo que a cultura de comer peixe é tão forte que é muito difícil parar, mesmo sabendo dos riscos”.


Durante a oficina, o INMA apresentou diretrizes para sua atuação futura no território: escuta ativa das comunidades, justiça procedimental, ciência cidadã e colaboração com base em evidências e direitos humanos. Para o Instituto Linha D’Água, essa escuta precisa se traduzir em políticas reais de apoio à pesca artesanal, com foco em segurança alimentar, saúde pública, valorização dos saberes locais e reparação integral. A pesca artesanal não é um setor isolado: é parte da sociobiodiversidade e um pilar de sustentabilidade para milhões de pessoas no Brasil.


Diante da negligência institucional e da lentidão na reparação, o caso do Rio Doce revela uma crise mais ampla: os desafios enfrentados pela pesca artesanal em contextos de grande contaminação e violação de direitos. O Estado precisa agir com urgência e justiça, garantindo condições para que essas comunidades possam voltar a pescar, comer e viver com dignidade. Não há justiça climática possível enquanto a vulnerabilização dos povos do mar e dos rios for tratada como dano colateral. É hora de transformar escuta em ação e promessas em reparação.



Parcerias público-comunitárias em foco: desafios, aprendizados e caminhos para a gestão com protagonismo das comunidades


Parcerias público-comunitárias em foco: desafios, aprendizados e caminhos para a gestão com protagonismo das comunidades

Nos dias 8 e 9 de outubro, o Instituto Linha D'Água esteve presente no IV Seminário "Parcerias em Áreas Protegidas", promovido pelo Observatório de Parcerias em Áreas Protegidas (OPAP), na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). O evento reuniu gestores públicos, pesquisadores, representantes de comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil para discutir os impactos e potencialidades das parcerias na gestão da visitação em unidades de conservação. Henrique Kefalás, coordenador executivo do Instituto, participou da mesa "Parcerias Público-Comunitárias e a participação da sociedade civil no uso público em parques", ao lado de lideranças de territórios como Ilha do Cardoso, Trindade e Baía de Guanabara.


Henrique destacou que o uso público das áreas protegidas não deve ser visto apenas como atividade turística, mas como uma estratégia de afirmação territorial, diálogo intercultural e geração de renda com justiça. Para ele, parcerias público-comunitárias só fazem sentido quando reconhecem os direitos históricos das comunidades e valorizam suas formas próprias de organização, reciprocidade e cuidado com o território. O papel do Estado, nesses casos, é o de corresponsável - e não de mero delegador de tarefas.


Ao lado de Henrique, também participaram da mesa Ingrid Razera e Michel Razera, representantes da Associação de Moradores do Itacuruçá/Pereirinha (AMOIP), que compartilharam a trajetória da comunidade na construção do convênio com a Fundação Florestal para gestão da visitação no Núcleo Perequê, no Parque Estadual Ilha do Cardoso. Em sua fala, apresentaram os principais avanços conquistados com a parceria público-comunitária - como a retomada do espaço, a valorização dos saberes locais e a geração de renda com base no turismo de base comunitária -, além dos desafios ainda enfrentados, como a necessidade de maior apoio institucional, melhoria das condições de infraestrutura e segurança jurídica para as atividades comunitárias.


Henrique reforçou que muitos dos obstáculos recorrentes nessas parcerias se concentram no momento do planejamento: a incompatibilidade entre os tempos do Estado e das comunidades, a inadequação dos marcos jurídicos e a dificuldade institucional dos órgãos ambientais de lidarem com arranjos não empresariais. Ele enfatizou a importância de o Estado inovar em suas estruturas e reconhecer a legitimidade e a capacidade das comunidades para atuar como gestoras de seus próprios territórios.

Outro ponto de destaque foi o debate sobre representatividade e monitoramento. Para além dos conselhos consultivos formais, é necessário construir arenas reais de negociação, com acompanhamento da Defensoria Pública e do Ministério Público, garantindo o direito à consulta prévia, livre e informada. Henrique também defendeu que o monitoramento das parcerias deve ser compartilhado entre todos os envolvidos - inclusive o próprio Estado e empresas concessionárias -, e que é essencial garantir que os benefícios da visitação sejam distribuídos entre os diferentes segmentos da comunidade.


A experiência da AMOIP, apoiada pelo Instituto Linha D'Água, foi sistematizada no artigo científico "Gestão comunitária da visitação no Núcleo Perequê: um caminho de mobilização social e resiliência", publicado na revista Planejamento e Desenvolvimento do Turismo, em coautoria com a pesquisadora Natália Bahia (CGCommons/Unicamp), Henrique Kefalas, Coordenador Executivo do Linha D’Água, e John Wojciechowski, nosso Gerente de Desenvolvimento Territorial.


O texto analisa o processo de construção do convênio e os elementos centrais para o turismo de base comunitária no Núcleo Perequê, evidenciando como a parceria público-comunitária se tornou um marco de resiliência, justiça territorial e inovação na política de conservação baseada em direitos humanos. O resumo do artigo está disponível no site do Instituto Linha D'Água e integra um conjunto de iniciativas que articulam incidência política, fortalecimento comunitário e pesquisa aplicada.


Instituto Linha D’Água participou da XX Semana Temática de Oceanografia (STO), organizada pelos formandos de Oceanografia da USP, que em 2025 celebrou sua 20ª edição com o tema “Narrativas do Mar: Tradição Viva, Ciência em Transformação”


No dia 30 de setembro, o Instituto Linha D’Água participou da XX Semana Temática de Oceanografia (STO), organizada pelos formandos de Oceanografia da USP, que em 2025 celebrou sua 20ª edição com o tema “Narrativas do Mar: Tradição Viva, Ciência em Transformação”. A proposta do evento foi valorizar diferentes formas de conhecimento e as múltiplas relações que as pessoas estabelecem com o oceano, aproximando debates de oceanografia do público geral por meio de palestras, mesas redondas e minicursos.


Representando o Linha D’Água, Camila Cavalari, nossa analista de Desenvolvimento Institucional, integrou a mesa redonda “Gestão Territorial em Áreas de Conservação”, que discutiu os desafios de conciliar conservação ambiental com a permanência e os direitos de comunidades tradicionais em áreas protegidas. O diálogo abordou territorialidade tradicional, processos participativos de gestão, conflitos socioambientais e caminhos para alinhar conservação e justiça social, reforçando a importância de uma governança construída pelo diálogo e pelo reconhecimento da diversidade de saberes, ao lado de Maurício Marinho e Marcio Barreto, com mediação de Cláudia Namiki (IO-USP).



Saberes vivos e territórios em foco: Ilha do Cardoso recebe encontro tradicional e curso sobre Ecologia Decolonial


Saberes vivos e territórios em foco: Ilha do Cardoso recebe encontro tradicional e curso sobre Ecologia Decolonial

Durante o mês de novembro, a Ilha do Cardoso foi palco de dois importantes momentos de articulação, formação e fortalecimento territorial com a presença ativa de comunidades tradicionais, pesquisadores, educadores populares e instituições parceiras. As atividades se complementaram ao evidenciar, sob diferentes perspectivas, o papel central dos povos e comunidades tradicionais na conservação da natureza e na construção de outros futuros para os territórios costeiros e marinhos.


Nos dias 7 e 8 de novembro, o 8º Encontro Ampliado da Articulação de Povos e Comunidades Tradicionais da Ilha do Cardoso reuniu lideranças, parceiros e organizações aliadas na comunidade do Pontal do Leste. O encontro foi espaço para celebrar conquistas, partilhar aprendizados e projetar os desafios de 2026. Um dos momentos mais simbólicos foi o lançamento da Cartilha Viva - catálogo e guia de uso de plantas e ervas medicinais da ilha, construído com as guardiãs dos saberes tradicionais e apoiado pela EDEPE (Escola da Defensoria Pública do Estado de São Paulo).


Na mesma semana, entre os dias 6 e 9 de novembro, foi realizado na ilha o módulo presencial da 6ª edição do Curso de Áreas Naturais Protegidas, promovido pelo Sesc São Paulo

Na mesma semana, entre os dias 6 e 9 de novembro, foi realizado na ilha o módulo presencial da 6ª edição do Curso de Áreas Naturais Protegidas, promovido pelo Sesc São Paulo. Com o tema "Ecologia Decolonial: saberes e práticas pela valorização dos territórios e pela conservação da natureza", o curso reuniu especialistas, lideranças quilombolas, representantes comunitários e organizações parceiras para discutir alternativas ao modelo conservacionista excludente, promovendo a valorização dos modos de vida ancestrais.


Henrique Kefalás, Coordenador Executivo do Instituto Linha D'Água, foi um dos painelistas do curso e destacou a importância de conectar estratégias de conservação à justiça territorial e à centralidade das comunidades na gestão das áreas protegidas. A abordagem da ecologia decolonial foi aprofundada em debates que cruzaram experiências do litoral paulista com reflexões críticas sobre o legado colonial que ainda marca a política ambiental no Brasil.


As duas atividades, cada uma a seu modo, reafirmam a potência da Ilha do Cardoso como espaço de vida, resistência e inovação territorial. Ao articular formação, mobilização comunitária e valorização de saberes locais, elas reforçam os pilares do programa Territórios Costeiros e Marinhos do Instituto Linha D'Água: conservação com direitos, governança participativa e reconhecimento das comunidades como protagonistas na proteção da sociobiodiversidade marinha.


Comentários


bottom of page