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  • Instituto Linha D'Água

Uso público de ilhas costeiras: uma história que se escreve em conjunto

Atualizado: 9 de dez. de 2022


Inspirando a sociedade a se envolver no ordenamento dos usos das ilhas costeiras


No dia 25 de março, foi realizada a primeira live do ano da série “Diálogos na Linha D’Água”. Abordando o tema “O protagonismo da sociedade no uso público de ilhas costeiras”, a conversa ocorreu em conjunto com o lançamento do documentário Madracis, realizado pelo LABECMar - UNIFESP Baixada Santista, que conta sobre a descoberta do recife de coral na Ilha da Queimada Grande (Itanhaém-SP), quem são os atores que frequentam o local, como usam e o que pensam sobre a conservação desse espaço.


O coordenador Executivo do Instituto, Henrique Kefalás, bateu um papo com Patrícia Silva, caiçara da comunidade de Picinguaba (Ubatuba-SP) envolvida na gestão comunitária da Ilha das Couves, e o professor Guilherme Pereira Filho do LABECMar - UNIFESP Baixada Santista, um dos pesquisadores que encontrou o recife de coral na Ilha da Queimada Grande.


Por dentro da Ilha das Couves

A Ilha das Couves fica a 2,5 km da Vila de Picinguaba (Ubatuba-SP). De lá, uma travessia de menos de 15 minutos, em uma voadeira, conecta vila e ilha. Ambas fazem parte do território tradicional dos caiçaras de Picinguaba. Além disso, são tombadas como patrimônio histórico e cultural pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), e estão inseridas em duas Unidades de Conservação - a Vila de Picinguaba está no Parque Estadual da Serra do Mar (PESM) e a Ilha das Couves é uma das cerca de 60 ilhas e lajes marinhas inseridas nos limites da Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Norte do Estado de São Paulo (APAMLN).


As comunidades caiçaras da região vivem da agricultura e da pesca. A partir da década de 1970, as cidades litorâneas cresceram muito, estradas foram construídas e esse modo de vida, desde então, passa constantemente por mudanças. Desse processo surgem desafios e ameaças que colocam a existência das comunidades em risco, sendo necessário o desenvolvimento de novas habilidades para sobreviver nesse novo mundo. Um dos desafios é a atividade turística, e entre as habilidades, está o Turismo de Base Comunitária (TBC), desenvolvido pelas comunidades para lidar com a visitação pública nos territórios.


Lidar com o turismo não é tarefa fácil. Em 2016, as relações na Ilha das Couves foram profundamente afetadas pela forte exploração turística, estimulada, principalmente, pela divulgação midiática do local, fazendo com que a pequena ilha, quase sem estrutura alguma, passasse a ser um dos locais mais visitados de Ubatuba.


A ilha já chegou a receber 5 mil pessoas em um único final de semana. O turismo desenfreado deixou marcas, deteriorando o ambiente terrestre e marinho e as relações comunitárias existentes, exigindo a adoção de medidas urgentes para o ordenamento da visitação.


Conhecendo a Ilha da Queimada Grande

Situada no litoral sul paulista, a 35 km da costa, a Ilha da Queimada Grande, também conhecida como Ilha das Cobras, era uma região pouco conhecida cientificamente.


Em 2015, quando os pesquisadores do LABECMar - UNIFESP Baixada Santista começaram a estudar as Unidades de Conservação das ilhas do litoral sul de São Paulo, encontraram um recife de coral na região, que foi logo reconhecido como o recife de coral mais ao sul do Oceano Atlântico, com 300 mil m² de área e 5 mil anos de idade estimada.


Após essa importante descoberta, os pesquisadores rearranjaram seu trabalho para, em um primeiro momento, comunicar os novos fatos à sociedade e, em um segundo momento, decidir junto aos diferentes atores qual seria a forma mais apropriada de ordenar os usos desse espaço, visando a sua conservação.

Em um espaço complexo, ninguém faz gestão sozinho

Depois da difícil experiência com o turismo desenfreado na Ilha das Couves, foi necessária uma ação conjunta para primeiro frear o quadro caótico e deteriorante, e depois propor novas medidas para o cuidado coletivo da ilha.


O Ministério Público Federal (MPF) deu o pontapé inicial para essa mudança. Dada a indefinição nos âmbitos federal e estadual sobre a responsabilidade de gerir a visitação no local, o MPF propôs três cenários alternativos: 1. Gestão comunitária, 2. Gestão pela prefeitura e 3. Concessão para iniciativa privada.


Em qualquer um dos cenários a ser adotado, havia uma referência a ser considerada: o estudo de capacidade de carga turística que estabelece o número máximo de 177 visitantes ao mesmo tempo na ilha. Após alguns contratempos, a comunidade caiçara de Picinguaba, por meio de suas três associações (de moradores, de barqueiros e de pescadores artesanais), assumiu o cenário 1 e chamou para si a responsabilidade pelo ordenamento turístico da Ilha das Couves.


Este protagonismo se consolidou em parceria com o Fórum de Comunidades Tradicionais e o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), contando com o apoio da Travessia Assessoria Socioambiental e do Instituto Linha D’Água, inaugurando o Grupo de Trabalho de Turismo de Base Comunitária da Picinguaba. O resultado desta união de esforços foi o Plano de ordenamento e gestão comunitária para o uso público sustentável da Ilha das Couves do território tradicional caiçara de Picinguaba, dando a comunidade caiçara as condições para exercer a liderança no ordenamento turístico de seu território.


A atuação do setor público, mediando os diferentes interesses dos atores locais, foi exercida pela gestão da APAMLN, estabelecendo um segundo grupo de trabalho, focado na Ilha das Couves, composto pela Fundação Florestal, prefeitura de Ubatuba, empresas turísticas, representantes das comunidades caiçaras de Picinguaba, Almada e Estaleiro e seus apoiadores.


O resultado alcançado pelos grupos foi a Portaria 315/2019, que estabeleceu o ordenamento turístico emergencial da Ilha das Couves para a temporada de verão de 2020. Hoje, a Portaria vigente é a 328/2021, que mantém o número de 177 visitantes e atualiza os horários dos turnos de visitação.


Após o ordenamento da ilha, a comunidade de Picinguaba está colocando todos os seus esforços na transformação dos impactos negativos em situações positivas, recuperando o ecossistema da região. Para isso, muitas das estratégias de conservação passam pela educação dos visitantes e turistas para que entendam que também são responsáveis pela conservação do local que estão desfrutando.


Em paralelo, corre o pedido de Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), buscando o reconhecimento do direito ao território tradicional, na terra e no mar.


O protagonismo da sociedade nas medidas de conservação

Com a aprovação do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental do Litoral Centro do Estado de São Paulo (APAMLC), o entorno da Ilha da Queimada Grande é agora considerado Área de Interesse Turístico. Essa definição não exclui outros usos, como por exemplo, a pesca artesanal.


A criação da área de interesse não impõe regras específicas, que ainda serão construídas e debatidas, em processo participativo junto com os principais atores interessados em suas atividades turísticas. Essa construção acontecerá no Grupo de Trabalho da Ilha da Queimada Grande, no âmbito da gestão da APAMLN.


Para subsidiar o ordenamento do uso turístico, o LABECMar - UNIFESP Baixada Santista, com o apoio do Instituto Linha D'Água, desenvolveu um projeto que identificou os usos feitos no entorno da ilha. Os resultados apontam que o território atrai grupos de pesca recreativa embarcada, fáceis de serem identificados e mapeados; pescadores subaquáticos, que são grupos heterogêneos e mais difíceis de serem contatados; e mergulhadores recreativos, que são grupos acessíveis e abertos ao diálogo.


Agora, por meio do Grupo de Trabalho, o trabalho é manter a comunicação com esses atores e envolvê-los na elaboração de um conjunto de acordos para o aproveitamento sustentável da ilha. Para tal, os professores do laboratório, realizando a função social da universidade pública, assumiram o papel de fornecer informações técnicas e científicas, abastecendo o debate, e também a função de ouvir os usuários para construir, em conjunto, um ordenamento maduro, no qual cada ator entenda que é responsável pela conservação do espaço que utiliza.


Confira a nossa live para saber mais sobre as atividades na Ilha da Queimada Grande e na Ilha das Couves e aproveite para conhecer o recife de coral mais ao sul do Atlântico assistindo o documentário Madracis, que fez parte das atividades desta edição:




Diálogos na Linha D'Água - Março/2021





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