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Parceria Público-Comunitária: o caso do Parque Estadual Ilha do Cardoso

Vitória das comunidades tradicionais caiçaras!


Nos dias 27 e 28 de julho de 2023, aconteceu a celebração da reabertura do Núcleo Perequê, no Parque Estadual Ilha do Cardoso em Cananéia-SP. Após anos desde a primeira manifestação de interesse, a comunidade caiçara do Itacuruçá e Pereirinha finalmente tem a oportunidade de gerir a visitação do núcleo, em uma parceria público-comunitária inédita com a Fundação Florestal (FF).


O evento foi importante para as comunidades locais e tradicionais compartilharem histórias, experiências e apresentarem seus produtos para possibilidade de exposição e venda no núcleo, além da integração entre as comunidades da Ilha do Cardoso e arredores. Estiveram presentes nessa troca representantes das comunidades do Marujá, Enseada da Baleia, Itacuruçá e Pereirinha, Nova Vila Rápida e Aldeia Pakurity da Ilha do Cardoso, Quilombo Mandira e Rio Branco de Cananéia, Quilombo Ivapurunduva e Quilombo Sapatu que ficam na região de Eldorado-SP.


A Associação de Moradores do Itacuruçá e Pereirinha (AMOIP), responsável pelo gerenciamento das atividades de visitação, apresentou o plano de negócio do Núcleo Perequê para os conselheiros e conselheiras do parque, representantes de instituições governamentais e da sociedade civil. Durante a apresentação de como a visitação no núcleo funcionará, a AMOIP contou mais sobre a história do local, como se deu o processo de construção e implantação da parceria e como o modelo de negócio está sendo colocado em prática. Também detalhou os serviços que serão oferecidos, o público-alvo e como se manterá a utilidade pública das estruturas do parque. Além disso, foi apresentado o trabalho de articulação das comunidades tradicionais da ilha e demais parceiros, e por fim a simbólica passada de chaves do diretor executivo da FF para o presidente da AMOIP. As atividades do dia se encerraram em uma grande celebração, um farto almoço com tainha na brasa e muita música.



Quer saber mais sobre o Núcleo Perequê e como se deu essa Parceria Público Comunitária, continue com a gente:


Após todo um semestre de negociação, em meio ao último processo eleitoral e alternância de governos, no início deste ano foi assinado um convênio inédito entre a AMOIP e a Fundação Florestal, que delega à Associação de Moradores a gestão dos serviços de visitação no Núcleo Perequê, no Parque Estadual Ilha do Cardoso (PEIC).


Parceria Público-Comunitária é um conceito em construção, sempre partindo da premissa de respeito às comunidades locais nos processos de tomada de decisão sobre assuntos que impactam diretamente suas vidas.
Já escrevemos sobre isso no nosso blog, clique aqui e saiba mais.

Além de uma vitória para a permanência das comunidades tradicionais em seus territórios, esse convênio é um importante exemplo de arranjo local para o uso público em áreas protegidas. É sem dúvidas um marco digno de comemoração, pois apresenta um modelo que respeita e inclui a população local, incentiva o turismo de base comunitária, gera oportunidades e promove a sociobiodiversidade regional.


Esse modelo tem se mostrado como uma possibilidade no debate sobre democratização das parcerias em áreas protegidas, especialmente em Unidades de Conservação. Pois mantém a voz da comunidade presente em todas as etapas da negociação, com clareza sobre suas necessidades, correspondendo à realidade cotidiana do local e com entendimento completo do que está sendo proposto, ao mesmo tempo que prepara os integrantes da comunidade para outros possíveis processos de negociação que possam vir a ocorrer.


A história local


Pesca, roça e sossego: assim foi chamado um período na Linha do Tempo desenvolvida pela comunidade tradicional caiçara do Itacuruçá e Pereirinha, que remonta um momento iniciado antes de 1900, quando a área onde hoje está situado o Núcleo Perequê possuía moradias e era utilizada para roça (havia produção de café, arroz, mandioca e outras espécies), além de uma lagoa onde eram pescados peixes para alimentação e para trocas com outras comunidades do entorno. Na região viviam diversas famílias que depois da criação do PEIC, em 1962, foram proibidas de manter suas roças de subsistência e a construir moradias. A partir disso, muitas se viram obrigadas a ir embora.


As famílias que resistiram, passaram a trabalhar sobretudo na pesca artesanal para sobreviver. Sobreposto ao território tradicional caiçara, os mais de 5 mil m² de estruturas públicas foram construídos inicialmente para abrigar o Centro de Pesquisas Aplicadas em Recursos Naturais da Ilha do Cardoso (CEPARNIC).


Nas décadas seguintes, foram insistentes as tentativas de se retirar os moradores que ainda permaneceram na região. Com o fechamento da escola local (em meados dos anos 1990), a comunidade se viu enfraquecida. Isso obrigou muitas famílias – sobretudo aquelas com filhos na idade escolar – a irem para a cidade, ainda que mantivessem suas relações pessoais, familiares e de trabalho no território.

Hoje chamado de Núcleo Perequê, esse espaço sempre esteve associado ao desenvolvimento de pesquisas e à visitação no parque, especialmente com grupos de estudo do meio, tendo empregado alguns moradores da comunidade do Itacuruçá e Pereirinha ao longo dos anos. Em 2010, com o fechamento do Núcleo Perequê, a comunidade intensificou suas atividades no turismo de praia, recebendo visitantes diários e iniciando novas experiências, voltadas à vivência da cultura e da natureza do local.


Desde então, o Núcleo Perequê recebeu diversas reformas para retomar os serviços, ainda sem uma definição sobre seu funcionamento. Os representantes da AMOIP, ocupando um assento no conselho consultivo do PEIC, se mobilizaram e encaminharam, desde 2011, cartas à Fundação Florestal manifestando o interesse em gerir o espaço. Porém, as negociações não avançaram.


Com a iminência de uma concessão do espaço à iniciativa privada, prevista desde a promulgação da Lei 16.260/2016, a comunidade se viu ameaçada, sem espaço para reiterar seu interesse e com a preocupação de que a gestão do espaço fosse para uma empresa. Diante disso, a articulação entre as comunidades da Ilha do Cardoso se fez valiosa e foi fundamental para que a AMOIP buscasse por parceiros que pudessem apoiá-la e seguiu resistindo até encontrar uma oportunidade de colocar sua vontade em prática.


Diante da mobilização e resistência da AMOIP, em 2022, a FF propôs o estabelecimento de um convênio para retomada das atividades do Núcleo. A comunidade contou com apoio direto da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Ministério Público Federal e Instituto Linha D’Água nas diversas reuniões de negociação com a FF para que fosse possível chegar num documento que retratasse as expectativas das partes.


Desde 2016, apoiamos e acompanhamos as ações promovidas pelas comunidades tradicionais da Ilha do Cardoso na defesa dos seus modos de vida. E, através da escuta e relacionamento com estas comunidades, o Instituto Linha D'Água pôde prestar assessoria sociotécnica à AMOIP para o fortalecimento das negociações sobre o convênio, respaldando o protagonismo da comunidade durante todo o processo.


Durante todo o ano de 2022 trabalhamos juntos no estudo de viabilidade econômica e na assessoria nas questões burocráticas e relacionais da negociação, promovendo sempre um processo de formação e aprendizagem, bem como construindo plenas condições para exercer a autonomia e a gestão local.


Em novembro de 2022 foi realizado o Seminário Latino Americano e Caribenho: Ano Internacional da Pesca e Aquicultura Artesanais - Celebrando a pesca de pequena escala sustentável e equitativa no Núcleo Perequê, na Ilha do Cardoso. A realização do seminário contou com os membros da associação de moradores como anfitriões. O evento proporcionou dimensionar o funcionamento de um empreendimento comunitário ainda inexistente, dando materialidade àquilo que foi pensado pela comunidade, opondo-se a projeções e estudos realizados sem a participação dos atores locais.


O vídeo a seguir foi produzido durante o evento por moradores da Ilha do Cardoso e mostra um pouco do trabalho na produção e execução do evento e suas atividades.

Seminário De Pesca Aipaa 2022 (vídeo produzido por membros da comunidade da Ilha do Cardoso durante o Seminário)


A parceria finalmente obteve condições efetivas de se tornar realidade, com a assinatura do convênio no dia 27/01/2023. Seguimos em parceria com os entes conveniados na nova fase que se iniciou, acompanhando as ações necessárias para o pleno funcionamento da visitação no Núcleo, evidenciando experiências que comprovam que existem opções viáveis, inclusivas e que respeitam as comunidades locais na gestão de áreas protegidas, principalmente em Parques.


Agradecemos a confiança da Articulação das Comunidades da Ilha do Cardoso, da comunidade caiçara do Itacuruçá e Pereirinha e de seus parceiros para que pudéssemos ser parte desta iniciativa bem sucedida. Estar junto com as comunidades nos traz muita alegria e o senso de que caminhamos na direção certa. Seguiremos à disposição para construção de novas experiências que fortaleçam as comunidades tradicionais e seus direitos.



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