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Dia da Consciência Negra na COP30: protagonismo de mulheres negras, vozes dos povos da pesca e incêndio na Zona Azul marcam 11º dia

  • comunicacao5558
  • 21 de nov.
  • 10 min de leitura

Debates sobre racismo ambiental e justiça climática com mulheres negras, vozes de pescadoras e pescadores artesanais e consulta global sobre os Povos do Oceano dividiram atenções com incêndio na área de negociações.


Debates sobre racismo ambiental e justiça climática com mulheres negras, vozes de pescadoras e pescadores artesanais e consulta global sobre os Povos do Oceano dividiram atenções com incêndio na área de negociações.

No 11º dia da COP30, pescadoras e pescadores artesanais ocuparam o Auditório Jandaíra, na Zona Verde, para denunciar os impactos das mudanças climáticas, do racismo ambiental e da perda de direitos sobre os territórios pesqueiros. Representantes do CPP e lideranças do MPP e CONFREM debateram sobre dados que mostram 97% das comunidades pesqueiras já são afetadas pela crise climática e criticaram as “falsas soluções” que avançam sobre marés e manguezais sem garantir permanência nos territórios e maretórios. O recado foi direto: não há resposta justa à crise do clima sem reconhecer e proteger os territórios pesqueiros tradicionais e colocar a pesca artesanal no centro das decisões.


Na Zona Azul, o Dia da Consciência Negra reforçou que justiça climática também é justiça racial. Em mesa dedicada ao papel de mulheres e meninas afrodescendentes, representantes do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério das Mulheres e da juventude climática lembraram que mulheres negras, indígenas, ribeirinhas e periféricas estão entre as mais afetadas por enchentes, secas, insegurança alimentar e deslocamentos forçados e, ao mesmo tempo, lideram hortas, cozinhas solidárias, bancos de sementes e redes de cuidado que sustentam a vida quando as instituições falham. Enfrentar a crise climática, apontaram, é inseparável do enfrentamento ao racismo ambiental.


Também nesta quinta-feira, a consulta informal do People of the Ocean Breakthrough reuniu povos do mar e das águas, comunidades costeiras, organizações da sociedade civil e representantes de organismos internacionais para refletir sobre o funcionamento dessa ferramenta e construir um caminho de fortalecimento dela que reconheça o protagonismo de quem vive do oceano, e faz a conservação de manguezais, recifes, pradarias marinhas e marismas.


À tarde, um incêndio no Pavilhão dos Países, na Zona Azul, deixou 21 pessoas em atendimento médico por inalação de fumaça e crises de ansiedade, levou à evacuação do espaço e suspendeu temporariamente as negociações, justamente no momento em que se cobra mais ambição e coerência da COP30.


Confira os destaque do 11º dia da COP30:


Povos do mar em defesa de seus territórios: pescadores artesanais cobram justiça climática e destacam perda de direitos


Evento “O impacto na Pesca Artesanal pelas Mudanças Climáticas, racismo ambiental e perda de direitos constitucionais”, organizado pela CONFREM, CPP e MPP

Na manhã desta quinta-feira, o Auditório Jandaíra, na Zona Verde da COP30, recebeu o evento “O impacto na Pesca Artesanal pelas Mudanças Climáticas, racismo ambiental e perda de direitos constitucionais”, organizado pela CONFREM, CPP e MPP. Mediado por Raimundo Siri, pescador artesanal da Bahia e liderança do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), o debate reuniu Josana Pinto da Costa (coordenação nacional do MPP e integrante do Fórum Mundial dos Povos Pescadores – WFFP), Carlos Alberto Pinto, o Carlinhos (coordenador da CONFREM), e Gilberto Lima (secretário executivo do CPP Nacional).


Os três vêm participando de diversos painéis ao longo dos 11 dias de conferência, mas o encontro desta manhã teve um caráter especial: condensou percepções amadurecidas e opiniões consolidadas sobre o desafio de colocar pescadores e pescadoras tradicionais no centro das decisões climáticas.


Gilberto Lima abriu o diálogo trazendo a experiência de mais de cinquenta anos de atuação do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) junto às comunidades pesqueiras em todo o país e os dados do mais recente levantamento de conflitos socioambientais e violações de direitos humanos em territórios pesqueiros.


Segundo o “Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil - 2024”, 97% das mais de 450 comunidades acompanhadas já sentem, no cotidiano, os efeitos da crise climática: mar mais quente, alteração de marés e ventos, enchentes extremas, secas prolongadas e escassez de espécies que antes eram abundantes. Para ele, a crise climática não é apenas ambiental; é também social, econômica e territorial, porque desorganiza modos de vida, provoca fome, reduz renda e ameaça a própria permanência das comunidades em seus territórios tradicionais.


O secretário executivo do CPP também destacou como o racismo ambiental estrutura a maior parte dos conflitos relatados. Mais de 70% dos casos registrados têm relação com invasão de territórios por grandes empreendimentos: complexos portuários, turismo predatório, exploração de petróleo e parques eólicos que avançam sobre praias, manguezais, margens de rios e berçários de vida. O resultado é a privatização de áreas antes de uso comum, a contaminação das águas, o impedimento de acesso às áreas de pesca e a expulsão silenciosa de comunidades negras, indígenas, quilombolas, ribeirinhas e pesqueiras.


Gilberto lembrou que, embora a Constituição de 1988 reconheça e proteja territórios tradicionais, esses direitos vêm sendo corroídos na prática, e reforçou a importância de marcos como o PL 131/2020, que busca reconhecer oficialmente os territórios pesqueiros em um país onde  mais de 60% do pescado consumido vem da pesca artesanal. “Hoje, no Brasil, os territórios mais cuidados, mais preservados, são onde estão os pescadores e pescadoras artesanais cuidando daquele meio ambiente”, ressaltou, defendendo o fortalecimento de marcos como o PL 131/2020, que busca reconhecer oficialmente os territórios pesqueiros.


Na sequência, Carlinhos, coordenador da CONFREM, conectou a crise climática à perda de referências ancestrais que sempre orientaram o modo de vida nos territórios pesqueiros. Ele relatou como, antigamente, pescadores aprendiam a “ler” o céu, as nuvens, a lua e a maré para prever o tempo e planejar a pescaria - um conhecimento transmitido de geração em geração que hoje se torna cada vez menos confiável diante das mudanças abruptas do clima. Ao mesmo tempo, espécies de peixes alteram seus ciclos reprodutivos, tamanhos e padrões de agregação, reagindo a um ambiente em rápida transformação.


Carlinhos criticou a tentativa de igualar a responsabilidade da crise entre países do Norte e do Sul global, e denunciou falsas soluções, como a expansão de usinas eólicas em territórios de povos e comunidades tradicionais, defendendo que, se houver implantação, ela deveria ocorrer fora dos maretórios e territórios de pesca, e não sobre eles. Para ele, o caminho passa pelo reconhecimento e proteção global de territórios tradicionais, por políticas de justiça social que alcancem os territórios e maretórios e por um financiamento climático que chegue diretamente às organizações de base, por meio de parcerias de longo prazo, e não de intermediários.


“Eu não sou contra usina eólica, sou contra nos territórios dos povos e comunidades tradicionais. Quer botar na beira da praia? Bota no condomínio de luxo.” Para ele, o debate climático na COP30 revela uma “estratégia de convencimento” que transforma a vida em mercadoria: “Aqui, o meu modo de vida, a minha cultura, o meu território, o meu maretório estão sendo colocados como mercadoria, mas eu não posso dizer qual é o preço.”


Encerrando o painel, Josana Pinto trouxe a perspectiva do MPP e do WFFP a partir da vivência direta dos impactos da emergência climática nas comunidades. Ela ressaltou que, de dois anos para cá, as mudanças se intensificaram em todas as regiões: alteração dos períodos de pesca, dificuldade para plantar, falta de água para consumo humano, animais e roçados. Na Amazônia, relatou episódios em que famílias ficaram isoladas, sem água sequer para tomar banho ou preparar alimentos, dependendo de distribuições de pequenos volumes de água que estavam longe de atender à necessidade real.


Ao mesmo tempo, denunciou as “falsas soluções” oferecidas ao povo da pesca - projetos que não garantem a permanência nos territórios e que, muitas vezes, criminalizam quem precisa migrar temporariamente para estudar, trabalhar ou complementar renda, seja por meio de regras rígidas como a exigência de oito meses ininterruptos de pesca para reconhecimento como pescador artesanal, seja por interpretações que deslegitimam o direito de conciliar pesca, plantio e outras atividades.


Josana também alertou para o risco de uma arquitetura de políticas e leis que se afasta da realidade das comunidades. Ela citou o processo do Planejamento Espacial Marinho (PEM), conduzido sem garantir participação efetiva e representativa dos segmentos da pesca artesanal em todas as regiões do país, e mencionou a recente mudança na gestão do seguro-defeso, transferido da Previdência Social para o Ministério do Trabalho, sem orçamento e critérios claros, o que deixa milhares de famílias sob incerteza e reabre feridas de 2015, quando muitos pescadores foram criminalizados e enganados em busca do benefício.


Para ela, rios, lagoas e oceanos não podem ser tratados como mercadoria, mas como bens comuns, nos quais o direito de ir e vir das comunidades pesqueiras seja respeitado e protegido como parte da soberania e da segurança alimentar do país. “A questão não é só o clima mudar: precisa mudar esse sistema, o sistema da concentração do capital, que concentra renda entre poucos e deixa a maioria na pobreza. Nos querem taxar como responsáveis, como se o crime fosse igual, quando na verdade nós somos os maiores guardiões do território.”


Ao final, as três lideranças convergiram em um diagnóstico firme: o que se vive hoje não é apenas uma crise climática, mas uma crise de valores, em que a transformação da vida e dos territórios em mercadoria sustenta a concentração de riqueza às custas de quem mais conserva os ecossistemas. Colocar pescadores e pescadoras artesanais nos centros de decisão, desde a construção de políticas climáticas até o ordenamento do espaço marinho e o desenho de mecanismos de financiamento, foi apresentado como condição concreta para enfrentar a crise com justiça.


Assista ao Painel na íntegra:





Incêndio na Zona Azul da COP30 paralisa atividades


Um incêndio atingiu, na tarde desta quinta-feira (20/11), o Pavilhão dos Países, na Zona Azul (Blue Zone) da COP30

Um incêndio atingiu, na tarde desta quinta-feira (20/11), o Pavilhão dos Países, na Zona Azul (Blue Zone) da COP30. O fogo começou pouco depois das 14h, foi controlado em aproximadamente seis minutos e levou ao fechamento da área por cerca de seis horas.


O incidente teve início ao redor dos pavilhões da África e da East African Community, região que concentra estandes de países e entidades, além de salas de negociação climática. Após inspeção do Corpo de Bombeiros, a Zona Azul foi reaberta às 20h40, mas a área diretamente atingida seguirá isolada até o fim da conferência.


De acordo com o Ciocs (Centro Integrado de Operações Conjuntas da Saúde), coordenado pelo Ministério da Saúde e responsável pela assistência de saúde na COP30, não houve registro de queimaduras. Os atendimentos estão relacionados principalmente à inalação de fumaça (19 casos) e a crises de ansiedade (2 casos).A organização informou ainda que continua monitorando o estado de saúde de todas as pessoas atendidas após o incidente.


Como medida de segurança, todas as pessoas que estavam na Zona Azul foram evacuadas, e as instalações ficaram esvaziadas e isoladas até a reabertura. Apesar da liberação do espaço, as plenárias e as sessões formais serão retomadas apenas na manhã de sexta-feira (21/11), que serão abertas às delegações e com transmissão online.


O episódio ocorre uma semana após a ONU ter cobrado do governo brasileiro soluções para falhas de segurança e problemas de infraestrutura na COP30, incluindo vulnerabilidades no controle de acesso, calor excessivo, infiltrações e riscos elétricos.


Mulheres negras colocam racismo ambiental no centro da agenda climática


No Dia da Consciência Negra (20/11), a COP30 voltou seus holofotes para os impactos da crise climática sobre populações afrodescendentes, com destaque para mulheres e meninas negras. Na Zona Azul, em Belém, a mesa “Rumo a uma Ação Climática Centrada nas Pessoas"

No Dia da Consciência Negra (20/11), a COP30 voltou seus holofotes para os impactos da crise climática sobre populações afrodescendentes, com destaque para mulheres e meninas negras. Na Zona Azul, em Belém, a mesa “Rumo a uma Ação Climática Centrada nas Pessoas: Reconhecendo o Papel de Mulheres e Meninas Afrodescendentes” debateu como os efeitos das mudanças climáticas são mais intensos em comunidades marginalizadas, evidenciando o racismo ambiental como eixo estruturante das desigualdades.


A secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial, Raquel Barros, ressaltou que mulheres e meninas afrodescendentes ainda não têm o devido reconhecimento no debate climático, apesar de sofrerem impactos desproporcionais e múltiplas violências ligadas a eventos extremos e a um modelo de desenvolvimento desigual.


A jovem campeã de juventude da COP30, Marcele Oliveira, reforçou que ação climática centrada nas pessoas significa, necessariamente, colocar dignidade, memória, identidade e justiça no centro das decisões — e reconhecer que enfrentar a mudança do clima é inseparável de enfrentar o racismo ambiental.


A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, lembrou que dados internacionais mostram mulheres negras, indígenas, ribeirinhas e periféricas entre as mais afetadas por enchentes, secas, insegurança alimentar e deslocamentos forçados, mas também como protagonistas das soluções.


Hortas comunitárias, cozinhas solidárias, bancos de sementes, redes de cuidado e estratégias de adaptação são, em grande medida, lideradas por essas mulheres, que seguem preservando água, alimento, saúde e espiritualidade nos territórios. O debate acontece em meio à Segunda Década da ONU para Pessoas de Ascendência Africana (2025–2034), reforçando a urgência de conectar justiça racial e justiça climática.


Povos do Oceano em foco: COP30 avança na construção da “Consulta sobre a abordagem inovadora do Povo do Oceano”


O evento “Consulta sobre a abordagem inovadora do Povo do Oceano” (People of the Ocean Breakthrough consultation), organizado pelo High Level Climate Champions Team e pela IUCN, apresentou ao público o estado atual de desenvolvimento dos chamados Breakthroughs - especialmente o Ocean Breakthrough e os associados ao Manguezal e ao Recifes de Coral.

A sessão concentrou-se sobretudo na explicação do que são os Breakthroughs, como vêm sendo construídos e por que surgiu a proposta de um People of the Ocean Breakthrough.


Os organizadores afirmaram que, até aqui, os Breakthroughs existentes - orientados a ecossistemas ou setores econômicos - avançaram sem considerar de forma apropriada as pessoas que vivem e dependem dos oceanos, reconhecendo que isso gerou um desequilíbrio na abordagem. Em resposta a esse diagnóstico, o High Level Team apresentou o People of the Ocean como uma tentativa de corrigir essa lacuna.


Ao longo da consulta, foram feitas intervenções pelos participantes para que contribuíssem com sugestões sobre como seguir adiante na construção desse novo Breakthrough, quais princípios deveriam orientá-lo e que caminhos metodológicos seriam mais adequados.

No entanto, as discussões rapidamente evidenciaram preocupações centrais.


Houve questionamentos sobre a origem da demanda por essa iniciativa e sobre os processos de formulação até aqui, com destaque para a limitada participação de movimentos internacionais de pescadores, comunidades costeiras e povos indígenas na concepção inicial.


Para Henrique Kefalás, coordenador executivo do Instituto Linha D’Água e membro do Coletivo Internacional de Apoio a Pesca Artesanal (ICSF), ficou claro que o People of the Ocean Breakthrough nasceu mais de uma percepção institucional de ausência do que de um chamado direto das comunidades que já vêm lutando por reconhecimento, direitos e proteção de seus territórios.


Nesse contexto, Carlos Alberto, o “Carlinhos” da CONFREM, trouxe uma intervenção decisiva: reforçou que, para que este processo tenha legitimidade, é necessário reajustar a rota, colocando os povos do mar e das águas no centro da governança dessa ferramenta - não como beneficiários, mas como sujeitos políticos e decisores. Ele destacou que esse ajuste só será possível se houver uma ampla consulta internacional aos movimentos de pescadores artesanais, povos indígenas e comunidades locais, de forma a garantir que o Breakthrough reflita suas realidades, visões e prioridades.


O debate deixou claro que não basta criar mais um mecanismo global destinado “às comunidades” sem que essas comunidades sejam protagonistas desde a concepção. A consulta em Belém reforçou que, se o People of the Ocean Breakthrough pretende ser uma inovação real - e não apenas uma resposta institucional à crítica de invisibilidade - será essencial garantir participação plena, processos transparentes e autoridade decisória aos povos que vivem, manejam e protegem os ecossistemas marinhos.


Confira as notícias de destaque do 11º Dia da COP30:



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