9º dia da COP30: Povos do mar entregam carta histórica e defendem justiça oceânica
- comunicacao5558
- 19 de nov.
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Carta histórica, novos pactos pelo oceano e debates decisivos marcam um dia de forte incidência social e política em Belém.

O nono dia da COP30 foi marcado por uma ampla mobilização dos povos das águas e do mar, que lançaram oficialmente a Carta Aberta dos Povos do Mar e das Águas à Sociedade Brasileira e à COP30, assinada por 168 organizações. O documento denuncia falsas soluções climáticas, como o atual modelo do Planejamento Espacial Marinho (PEM), e alerta para a expansão de petróleo e eólicas offshore sem consulta prévia. Com o lema “Nada sobre nós, sem nós”, as lideranças exigiram justiça climática, reconhecimento dos maretórios e participação real nas decisões sobre o futuro do oceano.
A agenda do dia também reuniu florestas e oceanos no diálogo “Entre Folhas e Marés”, organizado pelo PainelMar e GT-Mar da Frente Parlamentar Ambientalista, aproximando ciência, políticas públicas e saberes tradicionais. Em seguida, no evento “Governança, Políticas Públicas e o Futuro dos Oceanos”, lideranças da pesca artesanal entregaram em mãos a Carta dos Povos do Mar a parlamentares e autoridades, reforçando que a nova Lei da Pesca, o Acordo BBNJ, o PEM e a meta global 30x30 só serão legítimos com participação popular. O grito ecoado na Casa Vozes do Oceano sintetizou o espírito do encontro: “nenhum plano para o mar sem os povos do mar!”
Pela manhã, mulheres extrativistas e pescadoras de diferentes regiões do país protagonizaram o painel “Justiça Climática de Gênero na Defesa dos Maretórios”, organizado pela Rede de Mulheres Extrativistas Pesqueiras da Bahia. A leitura coletiva da Carta também foi ponto alto do evento e reforçou a centralidade das mulheres na proteção dos territórios costeiros. Paralelamente, Brasil e França anunciaram, em encontro ministerial, a criação de uma Força-Tarefa Oceânica para integrar o oceano às NDCs globais, passo decisivo para incorporar soluções marinhas na agenda climática internacional.
Outros marcos do dia incluíram o lançamento do Pacote Azul, roteiro com cerca de 70 soluções oceânicas para reduzir até 35% das emissões globais até 2050, e a participação do Instituto Linha D’Água no painel internacional sobre alimentos aquáticos e justiça climática, que reforçou o papel da pesca artesanal como sistema alimentar resiliente.
Ganharam destaque também os debates sobre turismo regenerativo, que apontaram a gastronomia, o conhecimento tradicional e a sociobioeconomia como bases para um novo modelo de desenvolvimento amazônico.
Com mobilização intensa, articulação política e protagonismo das comunidades tradicionais, o 9º dia consolidou um recado claro da sociedade civil: não há clima, biodiversidade ou justiça sem os povos que vivem, defendem e sustentam as águas, as florestas e os oceanos.
Confira os destaques do 9º dia da COP30:
Povos das Águas e do Mar lançam carta na COP30 e denunciam falsas soluções climáticas

Povos das águas e do mar lançaram um manifesto em defesa de seus territórios e modos de vida. A Carta Aberta dos Povos do Mar e das Águas à Sociedade Brasileira e à COP30, assinada por 168 organizações, denuncia a exclusão sistemática de comunidades tradicionais do processo de Planejamento Espacial Marinho (PEM), a expansão de projetos de petróleo e eólicas offshore sem consulta prévia, e a apropriação do discurso climático por interesses econômicos. Com o lema “Nada sobre nós, sem nós”, o documento exige justiça climática, regularização territorial e protagonismo das comunidades na formulação de políticas para o oceano.
A carta denuncia o chamado “bluewashing” - quando discursos de sustentabilidade ocultam violações de direitos - e critica a “Economia Azul” que, segundo os movimentos, tem servido como fachada para novos ciclos de exploração e exclusão. Lideranças como Carlos Alberto Pinto dos Santos (CONFREM) e Josana Pinto (MPP) alertam que o PEM, da forma como vem sendo implementado, ignora os direitos territoriais das comunidades pesqueiras e transforma promessas de transição energética em instrumentos de conflito e apagamento cultural. “O maretório não terá futuro se continuar sendo tratado como terra de ninguém”, reforça Josana.
O documento também ecoa um apelo internacional, com apoio do Fórum Mundial dos Povos Pescadores (WFFP), e pede que governos adotem as Diretrizes Voluntárias da FAO para a Pesca Artesanal como base para políticas públicas, reconhecendo a contribuição vital dos pescadores artesanais para a segurança alimentar e a conservação dos ecossistemas. A pesca artesanal emprega 90% da força de trabalho da pesca no mundo e sustenta milhões de pessoas, mas segue invisibilizada nas decisões políticas, como se viu na polêmica recente da COP30 envolvendo o chef paraense Saulo Jennings e o cardápio vegano para o Príncipe William.
A entrega da carta à sociedade e às autoridades climáticas está sendo feita ao longo da COP30, com destaque para sua entrega simbólica durante evento com parlamentares, realizado pelo PainelMar e GT-Mar da Frente Parlamentar Ambientalista. As demandas são claras: reconhecimento legal dos territórios pesqueiros, consulta livre e prévia conforme a Convenção 169 da OIT, interrupção da expansão de megaprojetos sem participação popular e apoio à governança comunitária.
Como afirmou Henrique Kefalás, coordenador executivo do Instituto Linha D’Água: “o futuro dos oceanos não pode ser decidido em gabinetes. As comunidades precisam de respeito e reconhecimento sobre seus territórios. O futuro não está na aceitação de megaprojetos em prol da transição energética, mas no fortalecimento das formas próprias de viver e cuidar do mar.” Confira aqui a carta dos Povos e do Mar na íntegra.
Do verde ao azul: PainelMar e GT-Mar reúnem vozes da floresta e do mar por políticas integradas e justiça climática

O PainelMar e GT-Mar (Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha da Frente Parlamentar Ambientalista) organizaram dois importantes eventos que aproximaram saberes tradicionais, ciência e políticas públicas para defender ecossistemas integrados e garantir justiça socioambiental. Os encontros reforçaram o papel das comunidades que vivem e cuidam das florestas, das águas e dos oceanos, como protagonistas na construção de soluções frente à crise climática.
No evento “Entre Folhas e Marés: um diálogo sobre Florestas e Oceanos”, realizado na Casa Balaio, lideranças extrativistas, jovens da pesca artesanal, pesquisadores e representantes da sociedade civil dialogaram sobre a importância de integrar a governança dos ecossistemas marinhos e terrestres. O bate-papo, moderado por Bruna Martins (Coalizão Manguezais Amazônicos), contou com falas potentes de Letícia Santiago, vice-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Carlinhos e Sandra Pereira, lideranças da CONFREM, Gabrielly Ferreira (Juventude da CONFREM) e representante do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), apontando que não há futuro para os oceanos sem justiça nos territórios e reconhecimento dos povos que neles vivem.
Encerrando a noite, o segundo encontro - “Governança, Políticas Públicas e o Futuro dos Oceanos”, na Casa Vozes do Oceano - reuniu diversos atores para discutir a meta global 30x30, a nova Lei do Mar, o Acordo BBNJ, o Planejamento Espacial Marinho (PEM) e o PL 4789/2024 (nova Lei da Pesca). O momento mais marcante foi a entrega simbólica da Carta Aberta dos Povos do Mar e das Águas à COP30 diretamente às autoridades presentes. Lideranças da pesca artesanal emocionaram o público com depoimentos que exigiram respeito, consulta prévia e regularização dos maretórios. “Nenhum plano para o mar sem os povos do mar!”, ecoou como grito de resistência e compromisso coletivo.
Com esses encontros, o PainelMar segue conectando diferentes saberes e garantindo que as decisões sobre florestas e oceanos sejam construídas com base na justiça climática, na participação efetiva e no reconhecimento dos guardiões da sociobiodiversidade. A mobilização segue forte nos próximos dias da COP30, com os pés na terra firme e os olhos voltados para as marés.
Vozes que vêm do mar: mulheres defendem maretórios com justiça climática e de gênero

Na manhã desta terça-feira (18/11), o Pavilhão do Círculo dos Povos foi tomado pela força coletiva da Rede de Mulheres Extrativistas Pesqueiras da Bahia, que organizou o painel “Justiça Climática de Gênero na Defesa dos Maretórios”. O evento reuniu lideranças femininas de diversas organizações, como a CONFREM, e representantes de Reservas Extrativistas (Resex) de várias regiões do país, para reforçar a centralidade das mulheres na luta pelos territórios costeiros e marinhos.
O ponto alto do encontro também foi a leitura coletiva da Carta Aberta dos Povos do Mar e das Águas à Sociedade Brasileira e à COP30. Com o lema “Nada sobre nós, sem nós”, as participantes alertaram para os riscos das chamadas soluções climáticas que não reconhecem os direitos territoriais e reafirmaram que os maretórios são territórios vivos, sustentados pelo protagonismo feminino e por modos de vida que precisam ser protegidos.
Brasil e França lançam Força-Tarefa Oceânica para integrar o mar à agenda climática global

Em encontro ministerial de alto nível, Brasil e França anunciaram uma nova Força-Tarefa Oceânica como parte de um esforço internacional para acelerar a integração de soluções baseadas no oceano nos planos climáticos nacionais. A iniciativa representa um passo decisivo para transformar o “Desafio das NDCs Azuis”, que incentiva os países a incluírem o oceano em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), em um mecanismo robusto de implementação. No mesmo evento ministerial, 17 países jáconfirmaram sua adesão, incluindo Austrália, Chile, Reino Unido, México, Bélgica e Canadá.
Na reunião ministerial, intitulada “Da Ambição à Implementação: Cumprindo os Compromissos com o Oceano”, o secretário nacional de Mudança do Clima do Brasil, Aloisio de Melo, destacou que a nova NDC brasileira já inclui programas como o ProManguezal e o ProCoral, reconhecendo os oceanos como pilares centrais da ação climática.
A diretora-executiva da Plataforma Oceano e Clima, Loreley Picourt, reforçou que o movimento liderado por Brasil e França responde a um apelo claro: garantir que os oceanos sejam refletidos no documento final da COP30 e nas negociações rumo à COP31. Já o embaixador do Clima da França, Benoit Faraco, lembrou que a UNOC3, realizada em junho em Nice, impulsionou esse avanço multilateral, que agora ganha corpo com o apoio de países de diferentes continentes e o fortalecimento do Tratado do Alto Mar (Acordo BBNJ).
Entre as metas da nova NDC brasileira estão a conclusão do Planejamento Espacial Marinho (PEM) até 2030, a gestão integrada da zona costeira e a execução de programas para restaurar ecossistemas estratégicos. Francisco de Oliveira, prefeito de Augusto Corrêa (PA), presente na reunião, lembrou que os manguezais amazônicos são cruciais para o sequestro de carbono e que os recursos para sua proteção devem chegar às comunidades que vivem nesses territórios. O lançamento da Força-Tarefa marca um novo capítulo para colocar os oceanos no centro da justiça climática e da ação governamental.
Pacote Azul é apresentado com objetivo de reduzir em 35% as emissões globais até 2050
A enviada especial para Oceanos da COP30, Marinez Scherer, anunciou o lançamento do Pacote Azul, um ambicioso roteiro com cerca de 70 soluções climáticas baseadas no oceano. Desenvolvido por especialistas brasileiros, atores não estatais e pela presidência da COP30, o plano prevê a redução de até 35% das emissões globais de gases de efeito estufa até 2050, contribuindo significativamente para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C.
As soluções englobam desde energia renovável oceânica, descarbonização da navegação e aquicultura sustentável até turismo costeiro regenerativo, conservação marinha e inovação em políticas públicas. O pacote também propõe formas de transição energética para além do petróleo e gás offshore. “O oceano precisa ser reconhecido como regulador climático e estar no centro das soluções para a crise”, afirmou Scherer durante o anúncio.
Com investimentos estimados entre US$ 130 bilhões e US$ 170 bilhões, o pacote busca destravar financiamentos através de marcos regulatórios adequados, redução de riscos e estratégias de blended finance. Uma das principais novidades é o lançamento do Ocean Breakthroughs Dashboard, ferramenta online de monitoramento que visa garantir transparência, responsabilização e conexão entre compromissos nacionais e ações globais em curso.
Do território ao prato: produção de alimentos aquáticos com baixa emissão e alta justiça

O Instituto Linha D’Água participou do painel internacional “Alimentos Aquáticos para a Ação Climática: Soluções Resilientes da Pesca Artesanal e da Aquicultura de Pequena Escala”, realizado na Agrizone, espaço da Embrapa na COP30. O evento foi promovido pelo Stanford Center for Ocean Solutions, em parceria com instituições como a FAO, Embrapa, WorldFish, IIED e o Ministério da Pesca e Aquicultura do Brasil. O encontro reuniu especialistas de diversas partes do mundo para discutir como a pesca artesanal e a aquicultura de pequena escala podem contribuir com segurança alimentar, baixa emissão e justiça climática.
Henrique Kefalás, coordenador executivo do Instituto Linha D’Água, foi um dos participantes do debate e destacou a importância de fortalecer os territórios pesqueiros e reconhecer a pesca artesanal como pilar da soberania alimentar. “Se queremos falar seriamente de soberania alimentar, precisamos garantir que os territórios pesqueiros continuem vivos, ocupados e geridos por quem depende deles para existir. Hoje, o mar e as zonas costeiras viraram a ‘nova fronteira’ de grandes empreendimentos – portos, petróleo, eólicas offshore –, mas quem garante o peixe no prato das pessoas são as comunidades tradicionais. É necessário encurtar cadeias produtivas, tirar os intermediários desnecessários e reconhecer, de fato, pescadoras e pescadores artesanais como sujeitos de direito e protagonistas das soluções climáticas e alimentares.”
Também participaram da roda de conversa nomes como Anna Ducros (IIED), Fernanda Garcia Sampaio (Embrapa Meio Ambiente) e Okelo Namadoa (AFRIFISH-Net), que reforçaram a necessidade de integrar os alimentos aquáticos às estratégias climáticas globais. O painel reafirmou que sistemas alimentares baseados na pesca artesanal e na aquicultura de pequena escala são soluções resilientes, que combinam sustentabilidade, conhecimento local e segurança alimentar em um mundo em transformação.
Turismo regenerativo ganha força como motor de desenvolvimento para a Amazônia

Durante a COP30, o turismo regenerativo se destacou como uma estratégia concreta para promover desenvolvimento sustentável na Amazônia. Em painéis realizados na Zona Verde, especialistas, chefs e lideranças comunitárias apontaram a sociobioeconomia, a gastronomia e o conhecimento ancestral como eixos centrais de um novo modelo de turismo – um que regenera, educa e fortalece territórios. No painel “Turismo Regenerativo: Sociobioeconomia e gastronomia liderando um novo modelo de desenvolvimento”, o chef paraense Saulo Jennings, embaixador da ONU Turismo, defendeu que o crescimento do setor precisa estar ancorado na ciência, na cultura local e no respeito às comunidades.
A líder comunitária e chef Prazeres Quaresma, da Ilha do Combu, emocionou o público ao compartilhar experiências concretas de regeneração: uso de biodigestores, coleta de resíduos e valorização de saberes tradicionais como parte do turismo local. “Queremos que o turista encontre a mesma samaúma de 400 anos e as mesmas famílias mantendo seus rituais”, afirmou. Para ela e outras lideranças presentes, o turismo do futuro só será possível se for duradouro, justo e verdadeiramente comprometido com o território.
O debate deixou claro que não se trata de uma tendência, mas de um reposicionamento estratégico: o turismo regenerativo tem potencial para restaurar ecossistemas, distribuir renda e inspirar políticas públicas. A mensagem unânime foi de que a Amazônia não precisa de um turismo predatório, mas de um que reconheça o valor dos seus povos, florestas e alimentos. Com investimento, inclusão e políticas estruturantes, o setor pode se tornar um pilar da economia de baixo carbono e da justiça climática.
Confira notícias de destaque do 9º dia da COP30:
UOL: Brasil lança programa que alia conservação e geração de renda na COP30
Nexo Jornal: Como o financiamento climático aparece nas discussões da COP30
Agência Brasil: Financiamento trava definição de metas de adaptação climática
Folha de S. Paulo: O que são os indicadores da Meta Global de Adaptação na COP30
CNN: Impasse sobre combustíveis fósseis pode atrapalhar plano do Brasil na COP30
Agência Gov: 'Estamos há 30 anos atrasados e agora temos pressa', diz Marina Silva
Jornal Nacional: Grupo de países concorda com plano que leve ao fim do uso dos combustíveis fósseis
O Globo: COP30: com orçamento de R$ 1 bi, organização do evento já custou R$ 787 milhões
O Globo: Mapa para a eliminação dos combustíveis fósseis ganha apoios na COP30
Folha de S. Paulo: COP30 precisa ser clara na comunicação, não apenas em técnica





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