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Instituto Linha D'Água

"Não existe peixe vivo em água morta”

Desafio: aproximar a sociedade de quem vive dos rios e do mar - confira os destaques da última edição do Diálogos na Linha D'Água e ouça a conversa em nosso podcast


Em 2017, a Assembleia Geral da ONU instituiu que 2022 será o Ano Internacional da Pesca e Aquicultura Artesanal. Para dar início às conversas sobre esse tema, realizamos a 4a edição do Diálogos na Linha D’Água com a participação de quatro pescadoras artesanais, de quatro regiões costeiras do Brasil, e com a mediação do coordenador executivo do Instituto Linha D’Água, Henrique Kefalás, no dia 24 de junho de 2021.


Antes de mais nada, conheça nossas convidadas

Josana Pinto é pescadora artesanal, integrante da coordenação nacional e estadual - no Pará - do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), representante do MPP no Grupo de Trabalho de Pesca em Águas Continentais do Fórum Mundial dos Povos Pescadores (WFFP).


Lilian Santana é pescadora, marisqueira, uma das coordenadoras da Rede de Mulheres de Comunidades Extrativistas e Pesqueiras do Sul da Bahia e faz parte da Resex Marinha de Canavieiras, na Bahia.


Ana Flavia Sallai Pinto é uma das lideranças da pesca no litoral norte de São Paulo e coordenadora do Grupo de Trabalho de Pesca Artesanal do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba (FCT).


Viviane Alves é moradora da Ilha dos Marinheiros no Rio Grande do Sul. Faz parte do MPP Nacional e da coordenação do MPP no seu Estado. É liderança na comunidade, participando também das reuniões do Fórum da Lagoa dos Patos.


O que é o Ano Internacional da Pesca e Aquicultura Artesanal

A ação da ONU tem como foco sensibilizar a sociedade e os governos quanto à importância da adoção de políticas públicas específicas a essas atividades, para que possam ocorrer de forma sustentável.


A supervisão e a gestão do Ano Internacional será coordenada pelo secretariado do ano da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e pelo Comitê de Direção Internacional do Ano, composto por representantes dos Estados membros, organizações da ONU, organizações da sociedade civil, instituições de pesquisa e organizações não governamentais.


Os principais objetivos a serem alcançados são o aumento da conscientização sobre as contribuições da pesca e da aquicultura artesanal no desenvolvimento sustentável, com atenção especial aos assuntos relacionados à segurança alimentar e nutricional, erradicação da pobreza e uso de recursos naturais; e a promoção do diálogo entre pescadores e pescadoras artesanais de pequena escala, aquicultores, trabalhadores da pesca, governos e outros parceiros, fortalecendo a sustentabilidade na pesca e na aquicultura para melhorar o bem-estar das pessoas e o desenvolvimento social.


Com essas ações, espera-se aumentar a consciência da sociedade sobre o tema, fortalecer a relação entre ciência e política, empoderar a pesca e a aquicultura artesanal e firmar parcerias com diferentes atores e setores da sociedade. É importante destacar que todas as ações do Ano Internacional devem ser guiadas pelos princípios dos direitos humanos, garantindo os direitos dos povos tradicionais e de seus territórios.


Para alcançar esses resultados, as ações também devem estar baseadas nas premissas de sustentabilidade ambiental, econômica e social; garantia da participação de pescadores, pescadoras, aquicultores e aquicultoras artesanais; igualdade e equidade de gênero; segurança alimentar e nutricional; e desenvolvimento da capacidade de resiliência da pesca e da aquicultura artesanal.


Entenda o cenário atual da pesca artesanal no Brasil

As quatro pescadoras que participaram de nossa conversa foram enfáticas ao afirmar que o cenário atual da pesca artesanal brasileira é extremamente complicado e desafiador. Isso porque faltam políticas públicas para o setor, a maioria das normativas vigentes não representa as realidades locais dos territórios e não há diálogo e comprometimento por parte dos governantes, tanto no âmbito nacional quanto regional. As demandas dos pescadores, das pescadoras artesanais e das comunidades tradicionais não são ouvidas e seus conhecimentos não são considerados na construção de estratégias e projetos de desenvolvimento.


Em adição, não há valorização da pesca artesanal, os atravessadores não pagam preços justos, dificultando a vida de quem tem a pesca como modo de vida. A emissão e atualização do principal documento que reconhece a atividade profissional de pescadores e pescadoras, os RGPs (Registros Gerais de Pesca), está abandonada, marginalizando as comunidades em favor da pesca em larga escala. Dessa forma, é mais do que necessário que a sociedade entenda a realidade dos pescadores e pescadoras artesanais e apoie o seu trabalho, garantindo a sua sobrevivência e de seus territórios.


As pessoas que vivem da pesca estão à deriva: como encontrar soluções

Durante o bate papo, todas as falas também conduziram a uma solução comum para as atuais dificuldades da pesca artesanal: a união. No Fórum Mundial de Povos Pescadores (WFFP), por exemplo, os participantes resolveram unir as pautas da agricultura familiar e da pesca artesanal, buscando fortalecer a ação de ambos na garantia e reivindicação de seus direitos.


Outra ação que também exemplifica o poder da união está na reação das comunidades tradicionais pesqueiras ao vazamento de petróleo, em 2019, no litoral nordestino. Esse crime ambiental, ainda impune, impactou diretamente a captura e a comercialização de pescado e também a vida dos pescadores e pescadoras, que tiveram que abrir mão de suas atividades produtivas por um longo e exaustivo período de tempo para limpar as praias e usar suas redes para bloquear as águas, impedindo que o petróleo chegasse aos estuários e locais de pesca, protegendo seu modo de vida e sua fonte de subsistência – foram mais de 40 toneladas de petróleo retiradas só na Resex Canavieiras.


Uma das soluções mais eficientes para proteger e garantir os direitos dos pescadores e pescadoras artesanais seria a criação de legislações regionais para reconhecimento e ordenamento das suas atividades, como ocorreu recentemente no Estado do Rio Grande do Sul (RS). Durante dois anos, essa legislação foi elaborada com contribuições das comunidades pesqueiras locais e de cientistas da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Ao entrar em vigor em 2018, a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Rio Grande do Sul vinha mostrando resultados satisfatórios, percebidos por quem vive e pesca no litoral gaúcho. Entretanto, o Ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido do Governo Federal, concedeu liminar que autoriza a pesca de arrasto no litoral gaúcho, colocando em cheque as normas e regras locais, ameaçando a biodiversidade marinha e reavivando os problemas de quem depende da pesca artesanal pra viver.


Como a sociedade pode ajudar

Uma das formas de contribuir com a luta dos pescadores e das pescadoras artesanais é apoiar o Projeto de Lei pelo Território Pesqueiro (PL 131/2020), que tramita na Câmara dos Deputados para proteger os territórios pesqueiros, garantindo sua segurança e das comunidades.


É, também, indispensável que os pescadores e as pescadoras tenham espaço e sejam consultados na elaboração de políticas públicas e legislações coerentes com seus territórios específicos, sendo necessário reativar os Conselhos da Pesca nos municípios e estados, ampliando o diálogo sobre a pesca artesanal e os assuntos relacionados a ela.


Por fim, é fundamental que exista respeito pelas atividades da pesca artesanal, principalmente aquelas executadas por mulheres: essa prática é uma tradição e uma profissão passada de geração para geração, alinhada com a conservação da natureza e que movimenta a economia local.


Lutar pela preservação dos povos e das culturas tradicionais, bem como de seus territórios, valorizando a pesca artesanal em todo o litoral brasileiro deveria ser uma preocupação de todos.


Enquanto essa consciência não se amplia, os pescadores e as pescadoras seguem sendo resistência.


Confira o Diálogos na Linha D’Água na íntegra nos formatos:


Podcast:






E vídeo:





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