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A urgência das Resex no Brasil: novas demandas em curso e conquistas ameaçadas

  • comunicacao5558
  • 15 de mai.
  • 7 min de leitura

Panorama aponta desafios na criação de novas reservas extrativistas e riscos crescentes para aquelas já estabelecidas




As Reservas Extrativistas (Resex) têm se consolidado como uma das principais ferramentas de proteção dos territórios tradicionais e da sociobiodiversidade no Brasil. Criadas para garantir o uso sustentável dos recursos naturais por comunidades locais, essas unidades de conservação estão novamente no centro das discussões públicas diante da crescente pressão sobre territórios costeiros e marinhos.


Apesar do reconhecimento legal e da sua contribuição inegável para a conservação da sociobiodiversidade, muitas Resex ainda enfrentam resistências no processo de criação, enquanto outras já consolidadas sofrem com constante ameaças de desmonte. A efetiva implementação dessas áreas requer não apenas decretos oficiais, mas a atuação ativa do Conselho Gestor, construção participativa de planos de manejo, fiscalização constante, investimento público e reconhecimento social. Sem isso, as Resex podem existir apenas no papel.



Panorama destaca persistência das comunidades na luta por novas Resex


Atualmente, tramitam processos de criação de novas Resex em várias regiões do país. Entre elas está a Reserva Extrativista do Rio Formoso (PE), em Pernambuco. A área proposta protege manguezais e ecossistemas estuarinos de alto valor ambiental e social, sustentando a vida de mais de 2.500 pessoas. Mulheres têm papel fundamental na pesca artesanal local, que representa a principal fonte de renda de várias famílias. Mesmo assim, a região sofre com poluição, especulação imobiliária e pressão do turismo predatório.


Outro exemplo emblemático é a luta histórica pela criação da Resex Tauá-Mirim, na Amazônia Maranhense. Comunidades locais esperam há mais de 20 anos pelo reconhecimento oficial de seu território. Mesmo com processos participativos iniciados desde 2007 e apoio de organizações como o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), o decreto de criação ainda não foi publicado. A região concentra ecossistemas como manguezais, restingas e dunas, e abriga mais de 2.200 famílias que vivem da pesca artesanal e do agroextrativismo.


Não são raros os casos de processos de criação de Reservas Extrativistas travados por desinformação e disputas de interesse. No Amapá, a proposta de novas Resex Marinhas (Flamã, Bailique, Amapá-Sucuriju e Goiabal) enfrenta forte resistência, impulsionada por informações distorcidas que buscam associar falsamente essas unidades à proibição de pesquisas para exploração de petróleo na Margem Equatorial. Em resposta, o ICMBio suspendeu temporariamente a consulta pública para ampliar o esclarecimento à sociedade e combater a desinformação.


O próprio presidente do instituto, Mauro Pires, prestou esclarecimentos públicos sobre a situação, reforçando que as Reservas visam fortalecer as comunidades pesqueiras artesanais da região e não interferem nas atividades de pesquisa em curso.


As discussões sobre a criação dessas áreas protegidas não são recentes. Desde 2005, vêm sendo realizadas reuniões preparatórias com ampla participação de comunidades pesqueiras locais, que relatam ameaças crescentes da pesca predatória em seus territórios. Estima-se que cerca de 24 mil pescadores artesanais vivam no Amapá, tendo na pesca sua principal fonte de sustento.


As Resex propostas visam formar um cinturão de proteção ambiental no litoral amapaense e fortalecer os direitos das populações tradicionais ao longo do território, assim como a sustentabilidade da pesca artesanal e a recuperação de territórios historicamente ocupados por essas comunidades. Importante destacar que as Resex marinhas sugeridas no Amapá estão localizadas entre 130 e 447 quilômetros de distância das áreas de exploração petrolífera, não havendo qualquer sobreposição ou conflito direto.


No litoral sul da Bahia, a proposta de criação da Resex Marinha de Itacaré tramita desde 1998 e responde à necessidade urgente de proteger os modos de vida tradicionais de pescadores, marisqueiras, ribeirinhos e comunidades quilombolas que dependem dos recursos naturais da região.


Após anos de entraves - incluindo conflitos com interesses do setor petrolífero - o processo foi retomado em 2023, e em 2025 avançou com a realização de estudos técnicos e consulta pública organizada pelo ICMBio. A proposta abrange uma área de aproximadamente 43 mil hectares, incluindo mar, estuários, manguezais e trechos do Rio de Contas e seus afluentes, e poderá beneficiar diretamente mais de 600 famílias que vivem da pesca artesanal e mariscagem na região.


Esses exemplos mostram que apoiar a criação de novas Resex é investir em um modelo de conservação com justiça social e protagonismo comunitário. Em meio a pressões de interesses econômicos predatórios, as Reservas Extrativistas se colocam como caminhos concretos para proteger territórios, culturas e ecossistemas.


São ferramentas poderosas para o futuro da conservação no Brasil — e precisam de reconhecimento, apoio político e compromisso da sociedade para se tornarem realidade. A criação de novas Resex não pode mais esperar - é uma urgência ambiental, social e climática para garantir o futuro dos territórios e de quem os protege há gerações.



A área proposta para a Resex do Rio Formoso (PE) protege manguezais e ecossistemas estuarinos de alto valor ambiental e social. Crédito da foto: CI-Brasil | Flavio Forner
A área proposta para a Resex do Rio Formoso (PE) protege manguezais e ecossistemas estuarinos de alto valor ambiental e social. Crédito da foto: CI-Brasil | Flavio Forner

As vitórias das Resex são tangíveis - e as tentativas de enfraquecê-las também


As Resex têm se mostrado soluções eficazes para alguns dos desafios mais complexos do Brasil: conservação ambiental, segurança alimentar, justiça social e permanência de povos tradicionais em seus territórios. Com resultados concretos ao longo das últimas décadas, essas áreas protegidas comprovam que é possível aliar uso sustentável dos recursos naturais com proteção da biodiversidade e valorização de modos de vida tradicionais.

Ainda assim, mesmo diante de tantos avanços, elas continuam sofrendo ameaças que colocam em risco conquistas históricas e o futuro de comunidades que há gerações cuidam de seus territórios. A cada tentativa de enfraquecer essas unidades, renova-se também a resistência de quem vive da e para a natureza.


Um exemplo emblemático é a Resex Marinha de Canavieiras, na Bahia. Criada em 2006, ela abrange mais de 100 mil hectares de ecossistemas costeiro-marinhos e beneficia cerca de 8 mil pessoas, entre pescadores, marisqueiras e comunidades quilombolas. É um verdadeiro mosaico de biodiversidade, representando um dos ecossistemas mais ricos e variados do Brasil. Abrangendo uma vasta área que inclui manguezais, áreas marinhas, Mata Atlântica e restingas, a reserva é um refúgio para uma infinidade de espécies.


Ela se tornou um símbolo de resistência frente à especulação imobiliária e a carcinicultura, e sua gestão participativa tem fortalecido a autonomia das comunidades locais, ao mesmo tempo em que contribui para o equilíbrio ecológico da região. No entanto, essa conquista está sob constante ameaça: alguns projetos de lei (PL 3068/2015 e PL 2381/21) já tramitaram com propostas de transformar a unidade em uma Área de Proteção Ambiental (APA), categoria com menor grau de proteção e que permitiria atividades com maior impacto ambiental.


Outro caso de sucesso é a Resex do Mandira, no Vale do Ribeira, em São Paulo, que conta com a parceria do Instituto Linha D’Água. Reconhecida como um modelo de desenvolvimento sustentável, ela alia conservação com geração de renda por meio do manejo comunitário de ostras, realizado pela comunidade quilombola do Mandira. A unidade enfrenta desafios, incluindo a presença de espécies exóticas, como a ostra invasora, e a possibilidade de desmatamento. Ao longo do tempo, a iniciativa se consolidou como referência, promovendo a recuperação dos manguezais e fortalecendo a economia local - com reconhecimento em nível nacional e internacional.


Na Bahia, a Resex Marinha do Corumbau é referência em proteção de tartarugas marinhas e da pesca artesanal. Criada em 2000, ela protege importantes áreas costeiras, beneficiando comunidades que há décadas utilizam e protegem os recursos naturais. A reserva enfrenta ameaças como a gentrificação, a falta de garantia do território terrestre, e a necessidade de consulta prévia às comunidades tradicionais para obras e atividades com impacto na região.


No Ceará, a Resex da Prainha do Canto Verde, ilustra bem a função social dessas unidades. Criada em 2009 após anos de mobilização, ela protege uma comunidade pesqueira ameaçada pela especulação imobiliária. A reserva garantiu segurança jurídica à população, preservando a identidade cultural, os territórios tradicionais e as práticas de pesca de baixo impacto.


Contudo, ela também enfrenta ameaças recentes: propostas legislativas pretendem reduzir sua área, colocando em risco conquistas históricas e a integridade do ecossistema costeiro da região. A articulação das comunidades beneficiárias dessas unidades tem sido fundamental para resistir a esses retrocessos.


Nesse sentido, a CONFREM (Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas) desempenha um papel estratégico. A comissão reúne lideranças de todo o Brasil, fortalece a troca de experiências entre Resex, atua na incidência política e promove a defesa dos direitos territoriais das comunidades extrativistas. É por meio dessa rede que as comunidades têm conseguido pautar suas demandas e resistir às investidas que colocam em xeque a política ambiental brasileira.


Apesar dos avanços conquistados pelas Resex ao longo das últimas décadas, os desafios seguem enormes. Além do PL que ameaça a Resex de Canavieiras e da proposta de redução da Resex Prainha do Canto Verde, há também um projeto em tramitação no Congresso que busca restringir a abrangência da APA da Baleia Franca, em Santa Catarina - o que reduziria significativamente a proteção do território terrestre associado ao ecossistema marinho.

Esses movimentos evidenciam uma disputa permanente pelos territórios e reforçam a urgência de fortalecer as Resex como políticas de Estado. Elas são mais do que áreas protegidas: são territórios de resistência, justiça ambiental e futuro para quem vive de forma integrada e indissociada da natureza.



A Resex do Mandira é reconhecida como um modelo de desenvolvimento sustentável, aliando conservação com geração de renda, por meio do manejo comunitário de ostras. Foto: Claudio Tavares / ISA
A Resex do Mandira é reconhecida como um modelo de desenvolvimento sustentável, aliando conservação com geração de renda, por meio do manejo comunitário de ostras. Foto: Claudio Tavares / ISA

Quando conservar é resistir: o protagonismo das comunidades e a atuação do Linha D’Água



Atuando há mais de uma década, o Instituto Linha D'Água desenvolve ações voltadas ao fortalecimento dos territórios costeiros e marinhos, com foco na promoção da gestão participativa, no apoio à formação de lideranças comunitárias e na defesa dos direitos territoriais. Por meio do seu programa "Territórios Costeiros e Marinhos", a instituição atua diretamente junto a comunidades do litoral sul de São Paulo, fomentando processos de governança territorial e articulação em rede.


A experiência do Linha D’Água nas regiões costeiras paulistas, como na Ilha do Cardoso e na Resex Mandira, em Cananeia, demonstra que o fortalecimento comunitário é condição essencial para que as os territórios costeiros e marinhos se consolidem. É através do reconhecimento dos saberes locais, do apoio à gestão coletiva e do engajamento político que essas áreas podem se tornar verdadeiros espaços de resistência e futuro.


Cada Resex representa um pacto entre o Brasil e sua sociobiodiversidade, comprovando que é possível conservar a natureza com justiça social, dignidade e autonomia para as comunidades tradicionais. Mais do que áreas protegidas, são territórios de vida, memória e futuro.

 
 
 

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