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  • Instituto Linha D'Água

Pesca artesanal e conflitos costeiros e marinhos no litoral Paulista

Quais são as lutas diariamente enfrentadas pelas comunidades pesqueiras no litoral de São Paulo?


Durante o ano de 2021, o projeto Pesca Artesanal e Conflitos Socioambientais Marinhos (PactoMar/FAPESP) identificou, por meio de um diagnóstico participativo, elementos que ajudam a responder a essa pergunta e que podem ajudar a aprofundar o conhecimento sobre os problemas identificados, bem como a vislumbrar caminhos para superá-los.


Por meio de formulários online, pescadores e pescadoras artesanais, representantes de órgãos públicos e da sociedade civil indicaram os casos de conflito que envolviam ou impactavam a atividade de pesca artesanal e/ou de comunidades tradicionais pesqueiras do litoral de São Paulo. Após a organização dos relatos recebidos, foram realizadas 3 oficinas participativas com atores-chave de cada uma das três regiões do litoral paulista (Norte, Centro e Sul) com o objetivo de apresentar os resultados do questionário e complementar os relatos de conflitos.

Esse foi o video de convite para participação da pesquisa realizada.


Ao final, 12 categorias de conflitos foram identificadas, sendo a Legislação, a Fiscalização, os Grandes Empreendimentos e a Poluição as de maior destaque para as três regiões. No litoral Norte e Sul, problemas com a legislação e a fiscalização lideram os relatos de conflitos. No litoral Centro, a poluição aparece como a principal categoria de conflito, seguida pela legislação e fiscalização. Segundo o relatório, os conflitos relacionados à legislação pesqueira, principalmente aquela voltada à atividade da pesca artesanal, são decorrentes de leis defasadas, arbitrárias, não baseadas na realidade do território e muitas vezes incompatíveis com os modos de vida e de produção das comunidades. Esta categoria de conflito também envolve a fiscalização das leis, realizada pela polícia ambiental e por órgãos fiscalizadores. O levantamento aponta que “são frequentes os relatos sobre abordagens truculentas, até mesmo com punições excessivamente severas” aos pescadores(as) artesanais.


O estudo levantou também outras situações geradoras de conflitos, por exemplo, regulamentação; conflitos entre categorias de pesca, especialmente com a pesca industrial; manejo e ordenamento pesqueiro, entre outros.


Conhecer a realidade é um passo para a mudança


Mapear e identificar esses conflitos é um passo importante para construir caminhos para a redução de desigualdades e enfrentamento de injustiças socioambientais. A elaboração de políticas públicas, considerando as especificidades dos grupos mais afetados, podem instrumentalizar ações coordenadas para o endereçamento dos problemas ou que, ao menos, tragam alívio momentâneo para as pressões vividas por essas populações.


Neste sentido, o relatório “Pesca Artesanal e Conflitos Costeiros e Marinhos no Litoral de São Paulo” é mais um esforço colaborativo que busca conhecer a realidade para transformá-la. Existem outras iniciativas semelhantes no Brasil e no mundo, cujo foco também é sobre a pesca artesanal.


O Too Big To Ignore (Muito Grande para Ignorar) é uma parceria global para pesquisas em pesca de pequena escala, que realiza publicações sobre os conflitos e os desafios da pesca artesanal ao redor do mundo. Com uma atuação voltada para a promoção da Justiça Azul, o TBTI organiza uma plataforma que recebe histórias de questões de injustiça social e desigualdade na pesca artesanal.


Outra iniciativa focada em conflitos ambientais ao redor do mundo é a Environmental Justice Atlas (Atlas da Justiça Ambiental), que produz um mapa dos conflitos ambientais existentes em diversos locais.


No Brasil, temos outros três bons exemplos de iniciativas que buscam evidenciar as situações de conflitos vividas pelos pescadores artesanais:


O primeiro trata-se do esforço permanente do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) em evidenciar os conflitos socioambientais e violação de direitos humanos em comunidades tradicionais pesqueiras no Brasil. O primeiro relatório contendo estes casos foi divulgado em 2016 e em 2021 uma nova versão foi publicada no site do CPP.


O segundo exemplo é o Mapa de Conflitos, Injustiça Ambiental e Saúde, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), que trata do assunto de forma mais abrangente e em escala nacional. A iniciativa objetiva “tornar públicas vozes que lutam por justiça ambiental de populações frequentemente discriminadas e invisibilizadas pelas instituições e pela mídia”.


Já o terceiro exemplo dá luz ao trabalho realizado pelo Painel Brasileiro pelo Futuro do Oceano (PainelMar), que, por meio do time de Justiça Socioambiental do Programa Horizonte Oceânico Brasileiro, elaborou um mapa virtual colaborativo que reúne informações sobre as situações de injustiça socioambiental em comunidades tradicionais litorâneas. Recentemente (abril/2022), o PainelMar lançou também os resultados e os produtos do projeto “Pesca e Conflitos Socioambientais no Nordeste do Brasil”, demonstrando quais conflitos estão presentes nessa região do país.


Os exemplos listados acima compartilham a intenção de dar visibilidade às situações de conflito que afetam a vida de pescadores, pescadoras artesanais e do conjunto das comunidades tradicionais pesqueiras no Brasil e no mundo. Complementar a isso, as iniciativas têm o potencial de subsidiar os diferentes setores da sociedade, em especial os grupos, movimentos e coletivos que trabalham pela manutenção e pelo fortalecimento da pesca artesanal tradicional, na construção e implementação de políticas públicas.


Da pesquisa para a ação


O mapeamento realizado pelo PactoMar, além de contar com a colaboração do Instituto Linha D’Água, também teve o envolvimento ativo das equipes de gestão das Áreas de Proteção Ambiental Marinhas do Estado de São Paulo, dos integrantes de movimentos e organizações representativas da pesca artesanal e de pesquisadores e pesquisadoras que atuam no litoral paulista.


O diagnóstico produziu um retrato atualizado (2021), já considerando os conflitos que emergiram com a pandemia da Covid-19. O trabalho se soma a um esforço permanente de diagnóstico territorial, realizado por diferentes instituições, seja no âmbito da gestão ambiental e territorial pública, seja por meio de projetos de pesquisa, extensão ou que atendam outras motivações no território (por exemplo, projetos e programas de condicionantes socioambientais derivados de processos de licenciamento ambiental).


Desta maneira, a identificação de outras situações conflituosas que possam ter surgido - e que ainda surgirão - depois desse período, poderá se dar pela apropriação social sobre as diferentes estratégias de levantamento e registro das informações conduzidas por diferentes atores sociais.


Ações futuras, tanto de aprofundamento do conhecimento sobre os conflitos identificados como de endereçamento de medidas para transformá-los também são desejadas. O potencial da rede colaborativa organizada por meio do projeto e suas ações futuras têm a oportunidade de demonstrar à sociedade preocupada com a pesca artesanal do litoral paulista que pesquisa e ação são, na verdade, uma coisa só: pesquisa-ação.

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